O investimento na poupança é uma conquista dos mais ricos?


Você já parou para pensar como a maioria dos investidores da poupança pertencem à camada mais rica da população?

Como os vegetarianos possuem, em geral, melhor saúde do que a média da população?

Ou ainda, como as pessoas dos países nórdicos, que, supostamente, vivem em uma social-democracia, são mais felizes?

Isso ocorre porque há uma relação de causa e efeito entre essas variáveis? Ou somos apenas enganados por falsas correlações?


Certo dia, recebi um texto assinalando que a maior parte das pessoas que investiam em poupança está estratificada entre a parcela mais rica da população. Leitores atentos desse blog podem, à primeira vista, torcer o nariz para tal afirmação, uma vez que os mais ricos possuem um conhecimento maior em finanças pessoais e deveriam investir seus aportes em produtos mais rentáveis do mercado financeiro, não?

Causas, consequências e correlações: o exemplo da poupança

Afinal, existem centenas de alternativas melhores do que a poupança, seja em CDBs ou LCIs em bancos médios, como o banco Inter, alguns fundos e títulos do Tesouro Direto ou até mesmo em uma conta vinculada ao seu cartão de crédito (leia sobre as vantagens e desvantagens da Nuconta, do Nubank).

Porém, os leitores terão de convir que a afirmação é verdadeira: o estrato socioeconômico dos poupadores “tradicionais” está bem acima do padrão médio do brasileiro.

Assim como os vegetarianos possuem uma saúde melhor do que os amantes de carnes e várias pesquisas mostram que a população dos países nórdicos está entre as mais felizes do globo, mesmo com o peso do Estado na economia e sociedade.

Será que isso é suficiente para concluir que a poupança é um bom negócio para se alcançar a estabilidade ou a independência financeira? Ou que não comer carne faz bem à saúde? Ou ainda, que devemos aumentar a participação estatal no Brasil para que sejamos mais felizes? Vamos ver as armadilhas dessa maneira de pensar.

Causa e consequência x correlações

Esses erros de interpretações ocorrem porque confundimos correlações com relações de causa e efeito. E a dificuldade nessa percepção é tanto maior quanto maior a nossa ignorância sobre o assunto. Leitores de blogs de investimentos podem ter, rapidamente, percebido a falha da análise referente ao investimento em poupança, mas talvez tenham um pouco mais de dificuldade em não cair em falácias sobre assuntos como alimentação ou cargas tributárias.

Correlações são fáceis de serem notadas, mas a resistência nesse modelo mental provém de consideramos outras variáveis ou até mesmo inverter a ordem de causa-efeito a que fomos submetidos a partir de uma afirmação inicial.

Sim, são os mais ricos que investem mais em poupança, mas…

… eles não ficaram mais ricos porque investiram em poupança. Se eles possuem a capacidade de investir, eles possuem a capacidade de poupar. Se eles são aptos a poupar, eles conseguem manter um superávit em seu orçamento, o que é essencial para a construção de riqueza. Assim, não é difícil reconhecer que os investidores em poupança estão na camada mais rica da população. Afinal, já fiz um estudo onde os aportes podem ser mais importantes do que conseguir altas rentabilidades nos investimentos.

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Daqui tiramos algumas conclusões: eles são mais ricos porque gastam menos do que arrecadam, mas poderiam ser ainda mais, se optassem por melhores investimentos. Embora exista uma correlação entre riqueza e investimentos em poupança, a primeira não é causa da segunda, e sim o inverso: as pessoas “poupam” porque já constroem riqueza através de um orçamento superavitário. Se for uma boa carteira de investimentos com alocação de ativos, tanto melhor.

Quem não dispõe dessa condição, não participa desse grupo simplesmente porque não conserva dinheiro para tal. E reparem que não são poucos: em setembro de 2018, o número de pessoas com contas em atraso no Brasil é de 61 milhões de pessoas. Se você se encontra nesse grupo, sugiro começar a acertar seu orçamento com uma boa planilha de despesas.

E os vegetarianos? Sua condição física prova que a carne é ruim na nossa alimentação?

Existem vários estudos científicos que demonstram que pessoas que não comem carne possuem, em média, uma saúde melhor do que o resto da população. Esses resultados são usados por centenas de organizações de direitos dos animais e ecologistas para exercer influência na relação das pessoas com sua própria alimentação.

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Não entrarei na seara dessa discussão, uma vez que envolve algo além da razão, mas será que essa correlação pode ser tomada como um caso de causa e consequência, isso é, as pessoas são mais saudáveis porque elas simplesmente não comem carne?

Em geral esses estudos são observacionais/epidemiológicos, ou seja, não podem estabelecer causa e efeito porque as variáveis não são isoladas. Eles simplesmente avaliam a dieta de dois grupos aleatórios de pessoas: um com alimentação com proteína animal e outro apenas com proteína vegetal, acompanhando seus dados clínicos para estabelecer correlações. Muitas vezes os estudos deixam claro que são simples correlações, mas são divulgados pela imprensa como notáveis casos de causa e efeito.

Para estabelecer uma relação verdadeira, o estudo científico tem de ser randomizado, ou seja, ser classificado como ensaios clínicos, muito mais elaborados e custosos de se fazer. Eles representam uma pequena fração do total das pesquisas científicas, motivo pelo qual devemos sempre ter cuidado com as divulgações da imprensa. Não é objetivo desse blog entrar em detalhes sobre sua confecção. Se os leitores tiverem interesse de aprofundar-se nesse tema, sugiro a leitura do blog do Dr. Souto.

A avaliação dessa falácia consiste em enumerar as demais variáveis que fazem parte da vida dos vegetarianos (ou veganos). Como são pessoas mais preocupadas com a saúde do que a maioria da população (embora a abstinência da carne seja um erro, pensando apenas em “saúde”), eles normalmente possuem uma alimentação mais cuidadosa, provavelmente com fibras e sem excessos de produtos industrializados. Provavelmente alimentam-se de muitas frutas, legumes e vegetais, possivelmente orgânicos.

Portadores de um estilo saudável, devem utilizar boa parte de seu tempo com exercícios (muito acima da média das pessoas) e, quase certamente, não fumam e bebem álcool. Uma parte talvez, em quantidades bem moderadas. Ou seja, eles possuem mais saúde não necessariamente porque não comem carne, mas sim porque portam um conjunto significativamente maior de hábitos saudáveis do que a maioria das pessoas.

Para ler mais sobre o que eu penso sobre alimentação, leia minhas experiências com “dieta” paleo, low-carb e jejum intermitente.

Será que a felicidade dos países nórdicos está relacionada à presença do Estado?

São correntes em debates sobre o tamanho do Estado, os exemplos dos países nórdicos. Defensores do coletivismo apressadamente usam-nos como exemplo de que, aplicado corretamente, o socialismo pode oferecer altos retornos à sociedade. Porém, existem muitas outras variáveis que podem confundir essa compreensão.

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Não existe, no entanto, salários-mínimos impostos pelo governo na Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia. O mercado de trabalho é muito flexível nos países, não há indenizações por demissão e as pouquíssimas leis trabalhistas não restringem as horas extras. Negociações são feitas diretamente com suas associações de classe. Na Dinamarca, o sistema de previdência é misto, sendo que o trabalhador só tem o direito de receber aposentadoria quando tiver a idade mínima de 67 anos e contribuir por, ao menos, 40 anos.

A facilidade de se fazer negócios nesses países passa longe da ideia de burocracia estatal. A abertura de empresas leva no máximo 6 dias, a facilidade de importação com taxas baixíssimas (pouco mais de 1%) é plena e o investimento estrangeiro é liberado (sem ufanismos tontos). Mesmo políticas estatais exageradas estão sendo revertidas por países como a Suécia. Apesar da riqueza acumulada nessas sociedades por décadas no passado, seus dirigentes estão percebendo que o excesso de Estado não é algo positivo para o progresso de uma nação, a longo prazo.

Todos esses exemplos mostram um estado com uma economia muito mais “liberal” do que dirigida pelo Estado, padrão reforçado pelo fato de que esses países mantêm um respeito muito significativo pela propriedade privada. Não há “função social” da propriedade como no Brasil. Não é por acaso que esses países sempre estão muito bem classificados no Ranking de Liberdade Econômica pelo Instituto Fraser ou Heritage Foundation.

Portanto, a felicidade relativa da população, a despeito dos métodos controversos usados em sua mensuração, não está diretamente relacionada ao Estado-babá, mas sim a um conjunto de fatores onde não há algo significativo que possa ser relacionado como causa primordial dessa felicidade.

Finalizando: correlações não são relações de causa e consequência

Existem muitos exemplos que poderiam ser dados para evitarmos a falácia da causa e consequência. Confundimos esse entendimento com correlações simples. Muitas vezes, nem mesmo boas correlações possuímos, como no último caso citado (uma vez que temos países com baixa taxa de felicidade populacional e um grande Estado).

O que ocorre, porém, é que temos uma tendência de classificar, equivocadamente, eventos que podem estar sujeitos à aleatoriedade como sistemáticos. Ou seja, nossa intuição acaba forçando a barra para que evitemos a aplicação de certas regras lógicas relevantes para diferenciar simples correlações de causa e efeito.

Como explicaria o Nobel Kahneman, o uso excessivo do “Sistema 1” de nosso cérebro, impulsivo e intuitivo, prejudica uma melhor compreensão do mundo que nos cerca, o que exige uma participação maior do “Sistema 2”, utilizado com mais cautela e com predomínio da razão.

Razão que, infelizmente, vem escasseando nas últimas décadas com discursos alienados, insensatos e desconexos. Comentários extremistas que vemos dia a dia nas redes sociais degradam qualquer perspectiva de futuro para nossos descendentes. Que possamos colaborar ativamente com a contra-revolução cultural e que ela mude o destino de nosso país!

Explore mais o blog pelo menu no topo superior! E para me conhecer mais, você ainda pode…
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… ou adquirir um livro que reúne tudo que aprendi nos 20 anos da jornada à independência financeira.

E, se gostou do texto e do blog, por que não ajudar a divulgá-lo em suas redes sociais através dos botões de compartilhamento?

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Danilo
Danilo
4 anos atrás

Ótimo post André.
Parabéns.

Abraço!

AA40
4 anos atrás

Bem pensado VL. Os ricos estão na poupança pq eles poupam, gastam menos do que ganham o que possibilita a ficarem ricos. Vejamos que neste sentido, poupar uma boa parte de sua renda é mais importante do que o investir bem como sempre falamos e provamos matematicamente, com o benefício atual de não estarem perdendo um centavo com o crash da bolsa.

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