Analfabetismo financeiro: uma barreira à sua liberdade financeira


Qual a importância do analfabetismo financeiro na criação de sua carteira de investimentos e na sua jornada à independência financeira?

E como seriam seus resultados em um teste simples, que não é respondido corretamente por mais da metade das pessoas?


Tempos atrás, meu amigo Damião mostrou-me uma reportagem referente a uma pesquisa que demonstrava o quão significante é o analfabetismo financeiro entre a população, evidenciando os males que tal condição causa hoje na civilização. Alto grau de endividamento das pessoas, vulnerabilidade perante aos grandes agentes financeiros e dificuldades na aposentadoria são apenas algumas das consequências de tal situação.

Recentemente, instituições nos EUA estão usando a pesquisa para avaliar a situação financeira da população, obtendo relações de quanto o analfabetismo financeiro prejudica a acumulação de riqueza entre as pessoas.

Acredito que por aqui, ela deveria também ser usada para a avaliação de risco que as corretoras e outras instituições financeiras (como as gestoras digitais) nos solicitam no momento de abertura de conta e renovação: quem não é capaz de responder a essas três perguntas, não pode ser hábil a definir seu perfil de risco para investir seu dinheiro.

Analfabetismo financeiro é uma barreira para sua independência financeira

Evidências do grau de analfabetismo financeiro da população

O artigo completo do estudo encontra-se nesse link.  Nessa pesquisa, as economistas Annamaria Lusardi e Olivia Mitchell propuseram três questões simples, que versavam sobre o entendimento básico de juros, inflação e diversificação de investimentos, e foram propostas para pessoas em vários países. Em tradução simplificada, as questões são as seguintes:

1) Suponha que você tenha $100 em uma conta de poupança que rende 2% ao ano de juros. Após 5 anos, se mantiver o dinheiro depositado, você terá nessa conta:

(a) mais do que $102
(b) exatamente $102
(c) menos do que $102
(d) Não sei / me recuso a responder

2) Imagine que a taxa de juros anual de sua poupança seja de 1% ao ano e a taxa de inflação anual de 2% ao ano. Depois de um ano, você poderia comprar com o dinheiro dessa conta:

(a) mais do que hoje
(b) exatamente o mesmo que hoje
(c) menos do que hoje
(d) Não sei / me recuso a responder

3) Você acha que a seguinte frase é verdadeira ou falsa? “Comprar ações de uma única companhia normalmente oferece um rendimento mais seguro do que comprar cotas em um fundo mútuo de ações?

(a) verdadeira
(b) falsa
(c) Não sei / me recuso a responder

Fácil? Considere-se então pertencente a uma minoria mundial.

Resultados da pesquisa

As questões foram aplicadas durante vários anos, desde 2004, entre aposentados, jovens e adultos. Os resultados, para quem entende o básico de finanças (encontrando-se no mínimo no nível 5 da escala que propus nesse artigo), surpreende.

Nos Estados Unidos, considerados a meca do capitalismo mundial, somente 30% das pessoas acertaram as três questões. Os melhores resultados ocorreram na Alemanha (53%) e Suíça (50%). Mesmo assim, é impressionante que metade dos respondentes tenham errado um teste tão óbvio.

Os resultados continuam para os demais países que participaram do teste: 31% dos franceses acertaram todas as questões, 27% dos japoneses, 25% dos italianos, 21% dos suecos (!!!) e menos do que 4% dos russos. Ou seja, no país autocrático da última Copa, quase a totalidade da população partilha entre si o analfabetismo financeiro.

Pesquisa sobre analfabetismo financeiro: resultados por idade em cada país

Um recorte social foi feito entre os países com melhores resultados. Por faixa etária, verificamos que pessoas com idades entre 36 a 65 anos estão no grupo com maiores quantidades de acertos, o que é relativamente previsível.

Nessa faixa unimos as pessoas que já possuem um patrimônio em formação e buscam garantir alguma segurança financeira no futuro. O impressionante é que, mesmo nessas condições, o único grupo que superou a marca de 60% foram os alemães entre 36 e 50 anos.

Os jovens norte-americanos decepcionaram muito no teste, tendo atingido menos de 20% de acertos nas três questões, enquanto os idosos também não impressionaram: menos do que 28%. A propósito, os países europeus mostraram uma variação de conhecimento financeiro entre as faixas etárias muito menor do que os EUA.

Pesquisa sobre analfabetismo financeiro: dados por sexo e países

Os resultados não são favoráveis às mulheres quando segmentamos os dados por gênero: elas, além de possuir menor conhecimento financeiro, evitam respostas sobre o assunto. O percentual feminino que respondeu corretamente as 3 questões foi, em média, 1/3 menor do percentual masculino, com alguma exceção na Alemanha, onde a diferença foi menos significativa.

O percentual de respostas assinaladas pelas mulheres como “não sei”, atingiu valores, em média, 50% acima daquelas dos homens, sendo os suíços, de ambos os sexos, mais propensos a ao risco de erros e acertos.

Quando confrontamos esses números em nosso meio, tendemos a acreditar que por aqui não seria diferente. Antes que as feministas me crucifiquem, isso não é questão de opinião, mas sim constatação. É muito fácil analisar o interesse feminino por finanças: entrem nos inúmeros grupos das redes sociais, dos comentários de blogs sobre o assunto e analisem os perfis entre os participantes: o número de mulheres é bem menor, infelizmente.

Uma vez que hoje muitas são independentes e chefes de família, seria um avanço para toda a sociedade que elas se interessassem mais pelo assunto. Deixo meus cumprimentos a todas que fazem parte da minoria e que, entre outras coisas, são leitoras desse blog.

Pesquisa sobre analfabetismo financeiro - resultados por escolaridade.

Quanto à escolaridade, vemos que ela, de fato, representa uma diferença abissal entre os respondentes. Nos EUA, o percentual dos concluintes de curso superior que responderam corretamente as três questões foi mais de cinco vezes maior entre aqueles com nível de educação primária. Nos países europeus, esse valor foi de 2,5 a 3,0.

Ou seja, a educação sempre será importante para quaisquer áreas de conhecimento, embora isso se dê sempre de forma comparativa entre grandes massas de pessoas. Estatisticamente, ela está relacionada com a posse de um diploma, embora em vários casos não há causa e consequência entre ele e a inteligência.

Aqui no Brasil, é possível que essa associação seja ainda mais frágil, uma vez que não possuímos disciplinas de educação financeira no currículo da maioria das escolas, mesmo particulares, de nossa rede de ensino. O analfabetismo financeiro está, talvez, mais disperso entre todos os níveis escolares.

A relação entre a educação e a liberdade financeira

Em referências a outros trabalhos, o mesmo estudo alertou que, quando pessoas menos educadas financeiramente obtém esse conhecimento, melhoram sua situação econômica em cerca de 82% (Lusardi, Michaud, and Mitchell, 2011), corroborando os resultados.

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Como comentado no parágrafo anterior, não possuímos no país a cultura da alfabetização financeira nas escolas. Essa educação, adicionalmente, envolve muito a prática além da teoria, uma vez que más escolhas relacionadas ao dinheiro estão envolvidas com psicologia comportamental, um tema sobre o qual pretendo escrever mais nesse blog.

Educar-se financeiramente significa praticar profundamente o que se aprende. Isso fará com que as ações nos deem confiança para sermos protagonistas em nossas decisões, sendo responsáveis pela colheita dos frutos, mas também das ervas daninhas. O desafio é trazer o interesse das pessoas para essa educação.

Com tantas formas de dispersão hoje em dia, como jogos e redes sociais, não é algo óbvio. Falar de futuro é muito vago. As pessoas querem viver sempre o agora. E dois pontos dificultam ainda mais essa captura: nossa mentalidade estatal e o tabu do assunto.

A mentalidade da dependência

Em países com alto grau de benefícios sociais, outro estudo (Jappelli and Padula, 2011) sugeriu que o incentivo para se educar financeiramente é menor em função do maior grau de dependência e a consequente transferência de responsabilidades ao Estado.

Assim, a cultura que alimenta a ideia de que o Estado e seus políticos devem ser demandados consistentemente a oferecer soluções para os problemas de nossa sociedade possui uma contrapartida trágica: ela incentiva a ficarmos inertes e não tomar a direção de nossa própria vida. Os avanços individuais são menores.

É uma das consequências clássicas da máxima “quanto maior o Estado, menor o cidadão”, que agindo como homem-massa, não percebe uma das maiores contradições que vemos hoje no país, como lutar por menos corrupção e mais Estado. Coisa de louco…

O tabu sobre o “dinheiro”

Outro ponto complicador é que, em muitos círculos sociais, mesmo dentro de famílias, falar em dinheiro envolve grandes desafios. Associado com egoísmo, inveja e maldade, é o tipo de assunto que não deve estar na mesa de jantar.

Mesmo hoje com a revolução digital que está reestruturando a sociedade com a disseminação de fintechs financeiras como o Nubank, bancos facilitadores como o Banco Inter e casas de análises e gestores digitais com robôs investidores, pouca gente gosta de comentar sobre finanças, apesar de terem consciência de que esse conhecimento, por mínimo que seja, é necessário. Tente fazer isso com alguns de seus amigos e veja o que ocorre. Eu já desisti…

Uma parte dessa resistência pode ser devida ao autoconceito positivo que as pessoas nutrem por si próprias. Nos EUA, entre uma escala de conhecimento financeiro que vai de 1 (muito baixa) e 7 (muito alta), a média de pontuação é 4, ou seja, acima da média. Confrontando com a pesquisa citada no início do texto, onde somente 30% responderam corretamente questões básicas sobre o assunto, vemos que há algo errado.

Esses dados revelam, além do analfabetismo financeiro, a ignorância em não saber, ou aceitar, sua real condição. É a oposição plena às palavras de Sócrates – “Só sei que nada sei”. Infelizmente não conheço no Brasil uma pesquisa com essa extensão. Esse fato já demonstra que damos ainda menos importância sobre o tema, e, provavelmente, aqui e em outros países latino-americanos, a pesquisa traria resultados ainda piores, uma vez que nossa cultura latina não dá o mesmo valor para o dinheiro como os países anglo-saxões.

P.S.: em 2019 tive acesso a uma nova pesquisa sobre os hábitos financeiros e de consumo dos norte-americanos, que podem ajudar a entender um pouco mais como a alfabetização financeira ainda precisa melhor muito.

Dinheiro é um meio de se comprar tempo

Os adjetivos depreciativos que ouvimos relacionados a ele vêm de pessoas que não percebem que tais associações pressupõem que o dinheiro é apenas um fim, e não um meio. Os valores em si não são o objetivo, mas sim a melhor forma de alcançar um, seja qual for.

A felicidade, de fato, não está vinculada a ele, mas a várias coisas que podem ser alcançadas por meio dele. Precisamos sair da hipocrisia e aceitar que o dinheiro está, sim, presente nas melhores coisas da vida. A felicidade anda em estradas que são estabelecidas a partir de uma confortável situação financeira, onde possuímos um potencial muito maior para realizar nossos desejos.

Se você pensa somente em coisas materiais, é um problema de sua concepção, não um problema do dinheiro em si. Uma confortável situação financeira nos permite cuidar bem da saúde e de nossos familiares. Possibilita conhecer o mundo, pessoas diferentes e crescer como ser humano. Viabiliza, ao final, a capacidade de nos dedicar aos nossos desejos, uma vez que ele, o dinheiro, nos compra tempo. A raposa do Pequeno Príncipe já diria como essa dedicação é importante.

 Acredito que a maioria dos leitores desse blog gabaritaria as questões do teste. Se você não está nesse grupo, o que lhe impede de aprender um pouco mais sobre finanças? Não seria mais interessante dominar o assunto do que ser dominado? Ou ainda, estar ao lado daqueles que recebem juros ao invés daqueles que pagam e, construindo sua independência financeira, ter liberdade para realizar seu propósito e suas aspirações?

Explore mais o blog pelo menu no topo superior!…
Ou leia um pouco de minha história aqui ou então, ouça a entrevista que fiz para o podcast do blog SRIF365.

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Guilherme
4 anos atrás

Caro André!

Muito bom revisitar esses textos que de certa forma não deixam de ser “clássicos”!

É interessante notar o quão importante é a aquisição de conhecimento financeiro. Moldar a mente para o sucesso é o primeiro passo para conseguir vitórias pessoais. Nada supera uma mente fortalecida!

Abraços!

Rumo a IF
4 anos atrás

Imagino o que aconteceria se fizesse essa mesma pergunta no Brasil…
Rumo a IF
https://rumoaif.blogspot.com

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