Quais as armadilhas que a busca desenfreada para a independência financeira e o excesso de segurança podem revelar? Em seu planejamento, lembre-se do essencial: o tempo é mais valioso que qualquer coisa. Inclusive o dinheiro.
Semana passada saiu um texto interessante no ESI Money, baseado no capítulo final de um livro de J.D.Roth, origem de algumas citações ao longo dessa postagem. A identificação com vários pontos abordados pelo autor com as ideias que apresento no blog foi imediata.
Ano a ano o fluxo de pessoas que começam a pensar em independência financeira aumenta, seguindo a tendência protagonizada pelos Estados Unidos nas décadas passadas. Para que as ideias mais importantes não se percam nesse excesso de informações que estão à nossa disposição (e aumentam) ano a ano, acredito que é sempre importante reforçar certas premissas.
Uma delas alerta que o importante não é acumular o máximo de dinheiro disponível. Ele não é o mais importante. É o seu tempo disponível que vai proporcionar a você o real significado de liberdade. Entretanto, também é verdade que pode ser um desafio para algumas pessoas tomar decisões que não priorizem o dinheiro. O objetivo nesse texto é levantar alguns pontos para reflexão.
Dinheiro é importante até certo ponto
Existem vários trabalhos de psicologia que concluem que dinheiro traz felicidade somente até certo patamar financeiro ser atingido. Atribuir um valor que represente esse patamar é irrelevante, pois pressupõe que nós sejamos iguais, possuidores dos mesmos interesses. O que não é verdade.
“Você não quer ser rico. Você quer ser feliz. Você não está atrás de riqueza por causa da riqueza. Você está atrás do que esse dinheiro representa: liberdade, realização e uma vida rica. O dinheiro em si é um meio para um fim.“
Dinheiro para um meio, e não para um fim! Quantas vezes os leitores mais antigos do blog já se depararam por aqui com essa frase? Entretanto, mesmo para as pessoas que já consolidaram esse conceito, a decisão mais difícil é… quanto dinheiro preciso para a aposentadoria antecipada?
Não há resposta certa. Cada pessoa tem suas necessidades e particularidades específicas, que definem o montante necessário para trazer significado à vida. A resposta indiscutível é que, atingido determinado patamar, ele não lhe traz mais sentido. Talvez o mais difícil é sermos honestos, responsáveis, determinados e corajosos para reconhecer esse momento. Tudo isso ao mesmo tempo…
Honestos porque precisamos refletir internamente o que realmente nos traz significado. É comum possuirmos coisas para agradar e impressionar os outros, e não a nós mesmos.
Responsáveis, pois é necessário garantir esse fluxo financeiro ao longo dos anos, estimando corretamente variáveis como taxa de remuneração, expectativa de vida, imprevistos etc.
Determinados, uma vez que a maioria das pessoas não irá nos fornecer apoio. No fundo, a inveja coletiva fala mais alto quando percebe que alguém (que não seja ela própria) pode sair da corrida de ratos primeiro que ela.
Corajosos, porque você sabe que é uma decisão que levará a um arrependimento profundo caso seja mal planejada.
Trade-off: dinheiro e tempo
Trade-off é uma expressão inglesa muito usada no mercado financeiro que significa “troca”. A troca que precisa estar clara para fornecer subsídios para sua decisão é que, quanto mais dinheiro você acha necessário, menos tempo terá em sua vida. Nunca se esqueça disso. Você está trocando seu tempo de vida por dinheiro que, talvez, nunca será utilizado.
“Mas a relação entre dinheiro e felicidade não é linear. Os aposentados mais felizes que conheço fazem mais com seu tempo, não menos (…)
Mas é só quando alcançamos a verdadeira independência financeira que a maioria de nós tem total liberdade para construir a vida rica com a qual sempre sonhamos.“
Tenho consciência de que essa realidade traz um pouco de angústia para a tomada de uma decisão de quando parar de trabalhar. Afinal, você, consciente desse trade-off, precisa usar de sua honestidade, responsabilidade, determinação e coragem para determinar essa ocasião. Sei que não é fácil. Mas é algo que precisa ser feito.
“Enquanto você está trabalhando, seu tempo e atenção estão focados em sua carreira. A maior parte do seu dia gira em torno do seu trabalho(…)
Quando estamos trabalhando, sentimos que nosso tempo está à mercê dos outros.”
Quando você deixa sua vida girar em torno de seus ideais, você sai da corrida dos ratos. Você é o responsável pelo seu tempo, e não os outros. Você descobre a liberdade para criar e viver situações que lhe trazem real significado. Sua vida para de girar em torno do trabalho e você para de vender seu tempo a terceiros, percebendo a possibilidade de doá-lo a quem realmente ama.
Colocando alguns números
A liberdade financeira lhe dá a capacidade de viver sua vida como você quer vivê-la.
E esse é o objetivo: uma vida rica é abundante em tempo e dinheiro.
Como usar essa máxima para constatar quando parar de trabalhar e curtir o tempo que lhe resta? O que adianta ter dinheiro e pouco tempo?
Até então, o melhor meio que descobri para tentar encontrar uma resposta para essa pergunta de quando parar de trabalhar é utilizar a Planilha do Plano Patrimonial, que calcula sua taxa necessária de remuneração de seu patrimônio (TNRP). Nessa planilha, você estima o quanto ainda vai demandar de dinheiro em sua vida e, com base em seu patrimônio atual, calcula qual sua TNRP.
Atualizando-a anualmente e comparando-a com a rentabilidade histórica de seu portfólio, pode lhe fornecer um sinal de segurança para seguir em frente em sua decisão.
Há maneiras mais simples, como usar um simulador que fiz em planilha eletrônica, onde você atribui uma taxa de remuneração e checa quantos anos seu dinheiro vai durar. Um método mais rápido, mas, provavelmente não tão preciso e completo quanto a Planilha de Plano Patrimonial.
Mas vamos colocar alguns números, calculados pelo simulador, para apenas como pensar no processo dessa importante decisão…
A situação de Armando
Imagine o Sr. Armando Asfinanças. Ele nasceu em 1995 e possui um bom histórico de rentabilidade de sua carteira de investimentos de 5% ao ano, líquidos. Sim, sempre faça a conta da rentabilidade líquida. Quando você pensa dessa forma, você retira uma variável importante do cálculo: a inflação. E torna as coisas mais precisas e fáceis.
Importante: a construção bem feita desse histórico de rentabilidade é essencial. Cuidado ao incluir os aportes no número final, como muitos, inclusive alguns com conhecimento financeiro, fazem. Eles podem distorcer muito o resultado, principalmente enquanto a carteira de investimentos ainda não possua um volume considerável.
Considere que Armando receba um salário mensal de R$ 8.000,00, possui um patrimônio atual de R$ 50.000,00 e investirá mensalmente, a partir desse ano, 25% de seu salário (R$ 2.000,00), mantendo uma despesa média de R$ 6.000,00 mensais.
Após 30 anos, colocando essas variáveis no simulador, ele possuirá um montante no valor de R$ 1.853 mil (lembre-se: a dinheiro de hoje), que, considerando uma redução das despesas mensais para R$ 5.000,00, é suficiente para durar indefinidamente.
Ele faz a mesma simulação para trabalhar 5 anos a menos. Ainda assim, terá um valor de R$ 1.345 mil ao final do período, fazendo com que o dinheiro ainda se encontre em excesso, uma vez que ele não pretende deixar herança pelo fato de que já está contribuindo para a previdência de seus futuros filhos.
Assim, ele refaz o cálculo para 24 anos, dando a mesma condição. Porém, com mais 23 anos de trabalho, ele percebe que seu patrimônio acabaria somente quando ele tivesse 113 anos.
Armando encontra-se agora em um ponto de reflexão. Aposenta-se após 23 anos com uma boa margem de garantia (afinal, a expectativa de vida média é bem menor do que 113 anos) ou arrisco-me a sair do trabalho mais cedo?
Arrisca a simulação com um trabalho adicional de 22 anos e chega a um número de duração de sua carteira de investimentos de mais 45,7 anos, o que faria com que ele usufruísse desse fluxo mensal de renda até seus 93 anos.
“Aposentados felizes, diz Moss, têm (em média) três ou quatro atividades principais que monopolizam seu tempo e energia. Essas atividades fundamentais geralmente envolvem experiências, relacionamentos ou viagens.”
Talvez para muitos, essa situação seria já adequada. Apesar da expectativa de vida ainda ser inferior aos 93 anos, não sabemos como a medicina evoluirá no futuro. Talvez pessoas mais jovens como Armando, hoje em seus 26 anos, tenham a possibilidade de viver um pouco mais.
Nessa condição, Armando chega à conclusão que em sua vida, poderá trabalhar mais 22 anos (aposentando-se aos 48 anos) e viveria quase 46 anos desfrutando de sua independência financeira. Uma conquista importante, não acham?
A sua situação
Claro que, para concluir algo, você deve usar o simulador incluindo suas variáveis pessoais e chegará, obviamente, a conclusões diferentes. Você pode ter um salário maior ou menor, ter acumulado até hoje mais ou menos patrimônio que Armando e possuir um nível de despesas mensais (atual e futuras) diferentes.
Porém, o que procuro deixar claro é que existe a possibilidade de realizar uma estimativa para que você não trabalhe demais, ou de menos. Reitero que esse exercício é importante para que você avalie que não é necessário acumular tanto dinheiro em sua vida, e que seus anos de liberdade podem ser muito mais gratificantes do que sua conta bancária.
Vejo pessoas dizendo que precisam de uma garantia maior, como ter R$ 5 ou 10 milhões na conta bancária para poder parar de trabalhar. Se Armando pensasse assim, ele teria que trabalhar mais 48 e 61 anos para aproveitar, de verdade, sua vida. Ele teria, então, 74 ou 87 anos. Quantos anos mais ele viveria? Vale a pena ficar buscando essas cifras? Essa troca de tempo por dinheiro terá valido a pena?
“Imagine você conhecer um bilionário de 90 anos. Este bilionário confidencia que desenvolveu uma máquina que permitirá que duas pessoas troquem de corpos. E, este bilionário pergunta se você estaria interessado em trocar seu corpo com o dele em troca de US $ 100 milhões. Você faria isso?
Por que não? Porque o tempo é mais valioso que o dinheiro. Você sempre pode ganhar mais dinheiro, mas não pode ganhar mais tempo.”
Mais dinheiro ou mais tempo?
Enfim, todos esses cálculos devem ser feitos com racionalidade. Cada pessoa possui seu nível de segurança para avaliar a hora de parar de trabalhar vendendo seu tempo a outra pessoa (ou a seus clientes) e possuir a real chance de fazer o que deseja na vida.
Os dados apresentados foram calculados através de uma simulação simples, que também pode ser feita em uma calculadora HP12C. Para resultados melhores e mais significativos, sugiro abraçar a Planilha de Plano Patrimonial e atualizá-la anualmente. Independentemente do método, espero que você pense racionalmente qual a relação de tempo e dinheiro com a qual você se identifica mais.
“A vida não termina depois da independência financeira. Este não é um jogo que você “ganha”, então para de jogar. Quando você chegar à aposentadoria antecipada, faça o máximo. A liberdade financeira lhe dá a capacidade de viver sua vida como você quer vivê-la. Então, use o dinheiro e o tempo à sua disposição para construir essa vida rica. Afinal, é para isso que vale o dinheiro.“
Lembre-se apenas de usar as premissas corretas. Se você tiver um histórico de rentabilidade da carteira de investimentos consolidado, isso lhe dará uma segurança maior para aceitar uma aposentadoria mais antecipada. Considere, entretanto, que as condições econômicas que criaram uma rentabilidade atraente nos últimos anos podem não se manter, como a permanência de uma taxa de juros em níveis elevados.
Na Planilha de Plano Patrimonial, considere sempre um aumento dos custos de saúde ano a ano. Mas também considere que você não precisará viver para sempre em casas grandes (filhos vão partir), dirigir carros e vestir roupas para impressionar as pessoas, além de não aguentar ir em baladas e torrar muita grana com bebidas. Naturalmente, sua vida será mais minimalista, sem necessariamente ser tediosa.
Seja coerente sem a necessidade de ser excessivamente conservador nas despesas. Ser demasiadamente conservador nesse campo fará você acumular mais dinheiro, mas, no entanto, desperdiçar mais tempo em sua vida.
Explore mais o blog pelo menu no topo superior! E para me conhecer mais, você ainda pode…
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Excelente post André. Aliás como sempre.
Obrigado por compartilhar conteúdos valiosíssimos.
Forte abraço!
Muito obrigado, Danilo!
Abração e excelente semana!
Fala André! Discussão interessante esta. O que vale mais, tempo ou dinheiro? Acho que todo mundo sabe a resposta. Você acumula dinheiro hoje para ter mais tempo amanhã. Mas é aí mesmo que mora o perigo, existe um certo fascínio do ser humano pelo habito de acumular. Nem sempre foi assim. Quando os sapiens eram coletores-caçadores, bastava sair da toca para obter o necessário para aquele dia ou semana. Contudo, veio a revolução da agricultura e tudo mudou. A partir do momento que o homem começou estocar comida, um novo paradigma entrou na mente humana ao longos dos últimos séculos.… Leia mais »
Olá Uó! Tudo bem? Legal vc aqui novamente! Poxa, essa sua introdução da mudança de hábitos após a transição do nomadismo para o estabelecimento da civilização humana é algo que sempre me atraiu. Já li vários livros sobre esse período, sobre como a agricultura moldou os séculos seguintes. E esse desejo de acumulação pode, realmente, ter vindo desse período. É, de fato, um grande debate. A troca do que vc deseja no presente para o que você deseja no futuro. Podemos fazer cálculos e estimativas, mas que não são garantidos. No máximo, podem lhe dar alguma segurança, mas não certezas.… Leia mais »
Isto mesmo André, o importante é o equilíbrio, difícil é chegar nele, rs, a maioria não consegue.
Ah sim, um carro de 150 mil para você não faria sentido. Mas sei que você tem uma boa motocicleta e gosta muito. Algo que para mim é dispensável, apesar de achar muito bonitas algumas motocicletas e ficar admirando como o homem consegue fazer algo tão magnífico. Temos que nos permitir estes “luxos”, ficar só acumulando para o futuro é importante mas a vida passa a fazer mais sentido quando satisfazemos nossos desejos no presente. Enfim, acho que estamos alinhados, rs.
Bom fds!
Perfeito exemplo e comentário, Uó!
Grande abraço e excelente semana!