Desejos ou necessidades?


Em suas decisões de despesas, você diferencia exatamente o que são desejos ou necessidades? Veja como essa distinção pode ser importante para sua independência financeira.


Alcançar a independência financeira é um objetivo que passa por um princípio fundamental: o superávit entre receitas e despesas. Sem isso, é impossível alcançar a liberdade, mesmo que você seja um expert dos investimentos. Como já escrevi aqui, poupar mais proporciona um maior patrimônio ao final, comparativamente a excelentes rentabilidades.

Por experiências, conversando com pessoas e entendendo seus problemas, a maior parte do desequilíbrio entre o que entra e o que sai de seu fluxo de caixa vem do excesso de despesas, e não da carência de receitas. Se as pessoas buscassem um esforço adicional para controlar o excesso de gastos, a liberdade financeira seria algo muito mais tangível de se alcançar.

Armário de roupas: desejos ou necessidades?

Entendendo o que são desejos ou necessidades

Talvez a definição de quanto algo é importante para você seja o ponto central para se pensar suas despesas. De tudo o que consome, o que é realmente função de seus desejos? Normalmente, a diferença do que são desejos ou necessidades atinge uma grande amplitude.

Podemos pensar a questão sob o Princípio de Pareto. Lembra dele? Sua definição afirma que, para muitos eventos, cerca de 80% das consequências provém de 20% das causas. Ou, em outras palavras, 20% de tudo o que você faz em sua vida gera 80% dos efeitos. Podemos pensar assim também com os artigos de consumo? Será que a diferença entre o dinheiro gasto com o que realmente necessitamos e com o que desejamos é tão grande assim?

É uma pergunta que só você pode responder para si. Uma provocação a pensar um pouco na questão.

Sapatos, automóveis, moradia…

Pense, por exemplo, em suas roupas ou sapatos. Será que em 80% do tempo você não usa apenas 20% das peças de seu guarda-roupa? À primeira vista, parece um pensamento absurdo, mas após pensar dessa forma, eu fui contar os meus pares de sapatos no guarda-roupa. Aposto que minha contagem é inferior a da maioria dos leitores: 2 tênis, 3 sapatos, 2 docksides e um chinelo de dedo.

Mas garanto a vocês: uso o chinelo e um dos tênis muito mais do que 80% do meu tempo. O outro tênis uso somente quando saio de carro e ando pouco, porque ele me aperta um pouco o dedinho. Os sapatos, nunca mais foram usados em virtude da ausência de traje social. E os docksides… acho o tênis mais confortável. Uma vez ou outra e olhe lá. Ou seja, uso dois pares, num total de 8 pares de calçados: 25% do total em mais de 80% do meu tempo.

Um gasto considerável das famílias é com o automóvel. Quantos você tem em casa? Realmente precisa deles? Aqui eu também cometo um ato falho: apesar de usar muito pouco a motocicleta, tenho-a mantido comigo, muito mais por um fetiche do que por racionalidade. Mesmo o carro, uso muito pouco: basicamente para uma pequena viagem a cada duas semanas. Durante a semana, é raro: faço quase tudo que preciso a pé.

E, mesmo que precisemos de um carro, podemos estender o exercício para avaliar se precisamos de um carro novo ou de luxo. O que ele daria a mais para você do que um carro mediano? Será que este não lhe atenderia além de 80% de suas necessidades? Provavelmente sim.

A partir desses exercícios, podemos avaliar o que são realmente desejos e necessidades. Possivelmente, um carro mediano seria algo necessário a você. Provavelmente um carro de luxo seria somente um desejo adicional, sem trazer uma utilidade real.

Você pode fazer esse exercício para várias áreas de sua vida. O tamanho do local que mora, por exemplo. Você já viu estudos com monitoramento de membros da família onde eles mais ficam em suas casas? São bem interessantes: através de um mapa de calor, percebemos que eles seguem uma proporção muito parecida do princípio de Pareto: na maior parte do tempo, os membros da família estão quase sempre utilizando os mesmos lugares, notadamente a cozinha. A sala de jantar e a varanda são raramente utilizadas.

Monitoramento da família em casa: lugares que passam a maior parte do tempo

A pergunta que resta é: você precisa de todo seu espaço? Ou poderia morar em um local menor?

Em última análise, 20% das coisas que você possui representam, em média, 80% do que você consegue tirar delas, ou ainda, 80% de suas despesas com suas “coisas” geram apenas 20% do valor, ou das necessidades de sua vida. O resto está lá apenas por conta de seus desejos.

Como agir então?

Avalie os diversos tons de cinza pelo custo

Uma ideia é analisar uma área de consumo em sua vida (automóvel, calçados, produtos de limpeza, etc) e considerar todas as possibilidades que você possui. Pensemos em um laptop agora. Você tem, simplificadamente, as seguintes opções, ordenadas pelo custo:

  1. laptop básico, chip Intel Core i3: R$ 1.800,00
  2. laptop médio, chip Intel Core i5: R$ 2.300,00
  3. laptop bom, chip Intel Core i5 com placa de vídeo: R$ 2.700,00
  4. laptop muito bom, chip Intel Core i7 com placa de vídeo: R$ 3.500,00
  5. Macbook Pro: R$ 10.000,00

Em qual dessas faixas, está sua real necessidade? Eu, por exemplo, tenho um laptop nível 3. Porém, como eu não instalo jogos no computador, creio que estou acima de minhas reais necessidades, pois a placa de vídeo nunca é acionada. Provavelmente eu me daria muito bem com um laptop nível 2.

Essa graduação adicional não converte em resultados propriamente ditos, e provavelmente, foi fruto de um desejo, ao invés de necessidade, que resultou na compra. Mesmo a justificativa de que o adquiri em uma oferta (cerca de R$ 2.200,00), não convence: eu poderia ter pago menos de R$ 2.000,00 na ocasião para comprar um nível 2.

Assim, suponha que você use o laptop apenas para internet e processadores de texto e planilhas comuns. O laptop nível 1 lhe atende perfeitamente. O que passar desse nível estará apenas cobrindo desejos pessoais, e não necessidades. Da mesma forma, se você precisa de um laptop bom para jogos e processamento de imagens, o nível 4 serve às suas necessidades. Comprar um Macbook é muito mais um desejo pessoal. Mesmo os “mac aficionados” aceitam tal ideia.

Cada passo que você der na lista de produtos sem uma explicação razoável, significa que está aumentando a proporção do desejo em sua compra. Repare que o custo de um laptop nível 1 é inferior a 20% do laptop nível 5. E, provavelmente, ele será capaz de suprir mais de 80% de suas necessidades. Esse é o princípio de Pareto aplicado nessa definição de seus desejos ou necessidades.

Infelizmente, confundimos desejos com necessidades

Conforme consumimos algo além na escala de nossa necessidade, o produto acaba entrando em sua rotina. Você acaba vendo-o, dia a dia, como uma necessidade, e não como um desejo, muitas vezes, frívolo. O que torna muito mais difícil a análise racional da questão.

Continuando a pegar no pé da Apple, cito o exemplo de minha filha. Por muito tempo, ela teve um iPhone. Trocava quando podia, gastava horrores para consertar a tela quando quebrava. Até que a convenci a mudar para o universo Android há alguns anos. Nunca mais voltou para a Apple. Todo o dinheiro economizado agora vai para sua carteira de investimentos.

Ficou claro para ela que era um gasto sem necessidade, mas apenas um desejo de ver uma maçã estampada no corpo do aparelho. Os Androids da vida supriram tudo que precisava. Pensar sobre suas maiores despesas de consumo e não confundir desejos com necessidades é importante para uma vida mais frugal, simples e facilita a conquista à independência financeira.

Avalie as lacunas e dê valor à sua vida

É muito possível que você esteja consumindo coisas das quais não necessita, mas que estão na sua vida meramente por desejos. São objetos que não fornecem nada adicional em sua vida, nem agregam valor aos seus objetivos maiores. O que esses níveis extra de gastos estão fazendo por você, além de tornar sua liberdade financeira mais distante?

Da mesma forma que fiz um mea culpa no caso do laptop que possuo a um nível acima do que realmente preciso, qual a lacuna das coisas que você tem e consome em relação à sua verdadeira necessidade? Veja que é possível deixar de gastar vários reais em despesas que não trazem nada adicional em sua vida, e estão na mesa apenas por desejos não muito bem avaliados.

Avalie seu nível de necessidade e procure consumir os produtos da faixa de preço suficiente para supri-lo. E, diferentemente do que você possa pensar agora, esse corte de gastos não significa uma perda de qualidade de vida e sim, uma melhoria, por conta de duas análises:

  1. O dinheiro que você economiza em uma área de sua vida, onde você estava gastando além de suas necessidades, pode ser útil em outra área que você não imaginava gastar antes porque não tinha disponibilidade. É uma troca. Ao invés de gastar com algo que não fornece valor adicional à sua vida, você gastará com algo que fornecerá.
  2. Se você não sentir falta do dinheiro economizado em outra área, tanto melhor: você economizará e investirá para acelerar sua independência financeira, proporcionando mais tempo livre para você no futuro. Não consigo imaginar algo que agregue mais à sua vida do que sua liberdade.

Para as pessoas que estão habituadas a um determinado produto, pode ser difícil fazer esse exercício. Mudar hábitos, mesmo que, racionalmente, percebemos que não são positivos é extremamente complicado. Pergunte-se continuamente: “Qual minha necessidade desse produto?”, “O que esse item fará por mim na verdade?”, “Isso me fará realmente feliz“?

Quando você perceber que está gastando mais por desejos, e não por necessidades, você abre a porta para simplificar sua vida e ter mais dinheiro no futuro. Seja considerando comprar um carro mais econômico, seja diminuindo suas compras anuais com roupas e sapatos, seja comprando itens mais baratos no supermercado, como as marcas próprias.

Você perceberá que tais economias não diminuirão seu padrão de vida. Pelo contrário, elas darão mais significado às suas escolhas, elevará o protagonismo que possui na sua vida e fará com que você tenha meios para financiar sua aposentadoria antecipada. De quebra, provavelmente te livrará de mais preocupações, ansiedade e minimizará seu estresse. Uma avaliação justa pode até fornecer meios para que, eventualmente, você acione uma compra por conta de um desejo real. Afinal, ninguém é de ferro, não?

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Danilo
Danilo
4 anos atrás

Excelente post André. É sempre um aprendizado acompanhá-los. Vou aplicar essa análise no meu dia a dia.
Obrigado!

Abraço.

Scant
Scant
4 anos atrás

acho que desejos são valorizados por nos fazer esquecer de nossas necessidades

nossas necessidades nem sempre são desejáveis e nossas vidas podem estar aquém de nossos desejos

sobre moradia achei um projeto bacana para quem gosta de sustentabilidade (https://scantsa.blogspot.com/2020/06/casa-sustentavel-e-if.html)

abs!

Poupador do Interior
4 anos atrás

Acho esse um dos conceitos mais bacanas do minimalismo. No cotidiano a proporção que você cita no post é aplicável para quase qualquer coisa, inclusive redes sociais, será que não perdemos 80% do tempo vendo publicações no Instagram ou Facebook de pessoas que não damos importância para o que estão fazendo ou deixando de fazer? Eu me peguei refletindo nisso e constatei que nem 20% do pessoal que tenho nas redes sociais eu tenho algum interesse mesmo que mínimo em ver o que estão fazendo ou deixando de fazer, se for levar em conta o % de pessoas que vai… Leia mais »

Last edited 4 anos atrás by Poupador do Interior
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