Sobre a paralisação da economia: debatendo alternativas


Mais alguns pitacos sobre a crise do coronavírus focando nessa paralisação insana da economia.
E novas movimentações no portfólio.


É difícil não falar sobre o assunto atual. Até pensei em mudar de tema, mas o acompanhamento dos fatos, os pensamentos para o futuro e a mudança da rotina não permitem a clareza necessária para focar em outros pontos.

Na semana passada escrevi sobre o tema, focando em algumas disrupturas que essa paralisação da economia pode ocasionar e quais as empresas prejudicadas e beneficiadas. Logo no início do texto, comentei:

Até quanto tempo vamos seguir com o lockdown na economia?

“Todas as medidas em torno do vírus, muitas necessárias, outras não, causarão mais sofrimento do que ele em si, talvez a longo prazo. A histeria é propícia para empurrar elefantes brancos em meio ao caos.”

Essa semana, reforço o coro contra o lockdown geral que os governantes vem nos empurrando goela abaixo, como a única solução para resolvermos esses problemas. Não dá para permanecer nessa situação por muito tempo. O debate precisa entrar na mídia, sair um pouco do disco quebrado de “fique em casa, fique em casa…” e analisar outras possibilidades.

Antes que catastrofistas digam que sou insensível e estou pensando mais na economia e menos na vida dos velhinhos, sugiro: não sejam superficiais e levianos. Acredito que, uma retomada da economia vai salvar mais vidas do que um lockdown excessivo. A teia da economia é mais complexa do que parece.

Os riscos da paralisação da economia

No Twitter, vi o desabafo de um pequeno comerciante de Ubatuba, dono de um mini-mercado de bairro, comentando que as mercadorias não estão chegando, uma vez que as transportadoras não fecham o frete dos caminhões, que, normalmente, abastecem também os restaurantes da cidade, fechados por ordem do governador.

A beleza da economia capitalista é justamente a descentralização. Milhares de pessoas fornecem sinais de oferta e demanda que moldam as decisões das demais, fazendo com que sua complexidade gere soluções eficazes para suprir a população com o que ela deseja. Se um elo é quebrado, como a imposição do lockdown, abalamos seus pilares e as consequências podem ser desastrosas.

O simples exemplo acima mostra algumas delas. Onde a população em torno do mini-mercado irá comprar comida e produtos de higiene? Com a queda das vendas, esse empresário do comércio, que normalmente opera com pequenas margens, irá conseguir manter seus funcionários? Quantos serão desempregados? Se ele quebrar, onde as pessoas do bairro farão suas compras? Será que possuem carro para ir mais longe, ao invés de ir a pé? Aumentará o risco de contaminação?

São perguntas que poucos estão fazendo. Quantos pequenos comerciantes e a população que deles depende estão nessa situação? Para nós, com internet disponível, fica tudo mais fácil: podemos comprar online. E para quem não possui? Ou não possui o cartão de crédito necessário?

Precisamos forçar o debate. Será que estamos seguindo a melhor alternativa? Essa retração da economia, causada pela paralisação forçada não trará danos ainda piores, como comentei na semana passada, do que a disseminação do vírus?

Médicos já se posicionam contra a paralisação

A alternativa de relaxar o lockdown encontrou eco entre médicos no final da semana passada. Thomas Friedman escreveu no The New York Times que “o mundo tem que ter cuidado com o “pensamento de grupo” e que até pequenas escolhas erradas podem ter grandes consequências“…

A ideia é que um grande stress econômico gerará desemprego em massa e muito mais pessoas morrerão de outras doenças, que normalmente atacam famílias mais carentes e pouco assistidas. As balas que o Estado possui na agulha não são infinitas. O risco é entrarmos em uma depressão tão grave que gerará uma crise social muito mais profunda. Situação perfeita para golpes políticos. Já imaginou a situação? No sábado, republiquei um post sobre Yuri Bezmenov, que mostra justamente como isso acontece.

Eu ainda concordo com o isolamento racional dos mais idosos. Concordo que, quem pode trabalhar via remota, deve continuar em casa. Mas também penso que devemos continuar produzindo e retornar a economia para gerar receitas de forma que o sistema de saúde, seja público ou privado, possuam recursos para comprar mais máscaras, ventiladores, remédios e incrementar os leitos de UTI através de espaços não utilizados ou hospitais de campanha, focando justamente nas pessoas mais atingidas. Mas, para tudo isso, precisa de dinheiro, que vai sumir jajá se continuarmos nessa paralisação.

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Outra contra-argumentação falha: mas se todos forem trabalhar, podemos transmitir o vírus para os idosos! Claro, existe essa possibilidade, mas, em qualquer caso, há o risco. Mesmo indo ao supermercado ou à farmácia, podemos transmiti-lo se não cuidarmos de nossa higienização quando chegamos às suas casas. O ponto crucial aqui de evitar a contaminação é o nosso hábito aliado à higiene: lavando sempre as mãos, retirando as roupas de rua e não se aproximando muito deles.

Para os idosos que podem ser isolados, os médicos entrevistados por Friedman sugerem uma abordagem mais cirúrgica. Em suas palavras:

“A abordagem cirúrgica e vertical focaria em proteger e isolar os que correm maior risco de morrer ou sofrer danos de longo prazo — isto é, os idosos, pessoas com doenças crônicas e com baixa imunidade — e tratar o resto da sociedade basicamente da mesma forma que sempre lidamos com ameaças mais familiares como a gripe.”

“Aqueles que tiverem uma infecção sintomática devem se auto-isolar em seguida, com ou sem testes, que é exatamente o que fazemos com a gripe. Quem não estiver sintomático e fizer parte da população de baixo risco deveria voltar ao trabalho ou a escola depois daquelas duas semanas.”

Outro ponto para o debate: e depois de um lockdown prolongado, o que ocorrerá? Se poucas pessoas foram imunizadas naturalmente, como garantir que não soframos diversos surtos sucessivos? Voltaremos ao trabalho, os casos aumentarão e aí? Paramos novamente? Essa possibilidade precisa estar na imprensa, que hoje só consegue falar a mesma coisa, como um disco quebrado. É ridículo como estamos em um estado de gado confinado sem discutir alternativas.

Acredito que essa paralisação, caso seja suspensa rapidamente, pode ter sido a melhor escolha se uma vacina estiver muito próxima, ou se o coquetel de remédios com hidroxicloroquina der certo. Mas parece que a primeira demora. A segunda alternativa parece ser mais promissora, como efeito sintomático, e não preventivo. Talvez seja o caminho mais rápido e lógico a seguir.

Entretanto, enquanto tais possibilidades de debates não chegam à cúpula da imprensa no Brasil e dos governos, vamos seguindo com a economia degringolando e projetando números cada vez piores para o futuro. As estatísticas coletadas não ajudam o bom debate. Como confiar, por exemplo, nos números divulgados se a taxa de mortalidade em SP é mais do que 10 vezes a da Região Norte? Poucos testes em SP e muitos testes no Norte? Notificações ampliadas em SP? Subnotificações no Norte?

Enfim, não sou expert da área e posso estar errado. Mas gostaria ao menos de ver tudo isso colocado em debate. O que me incomoda mais é estarmos seguindo apenas uma linha que a maioria dos infectologistas traçou. Porém, infectologistas não veem a floresta, e sim as árvores. Deveríamos ouvir médicos, economistas, psicólogos e sociólogos. Os efeitos colaterais podem ser catastróficos…

Liquidez acabando: o que fazer agora?

Antes de comentar o que estou fazendo, um esclarecimento sobre os conceitos de “reservas” de liquidez, algo que um amigo me perguntou na semana passada.

A definição de liquidez está diretamente ligada ao prazo da disponibilidade de um investimento. Em meus textos, comento que existem dois tipos de reserva de liquidez:

  • reserva de emergência (o colchão de segurança): estimada com cerca de 3 a 12 vezes seus gastos mensais, tem a finalidade de evitar gastos e dívidas caso haja necessidade de compras e serviços de emergência, como ligados à saúde, por exemplo.
  • reserva de oportunidade: alocação do patrimônio para aproveitar compras em ativos que estão subprecificados no mercado.

A primeira é uma reserva que não participa em sua alocação de ativos. Ela é um caixa totalmente à parte, deve ser mantida e ser usada somente em emergências que impactarão suas despesas mensais.

A segunda, DEVE estar na sua alocação de ativos, dentro do pilar de renda fixa, e pode ser usada dentro do contexto da alta volatilidade do mercado para comprar bons ativos a preços baixos. Nessa crise, é apenas a reserva de oportunidade que deve ser usada. Não use sua reserva de emergência. Ainda não sabemos o potencial de destruição que o lockdown deixará. Mantenha sempre esse caixa consigo.

Movimentos da última semana

Semana passada reforcei que comprei ações e FIIs na altura do Ibovespa a 90, 80 e 70.000 pontos. Nos últimos 7 dias, fiz mais compras quando ele chegou próximo de 60.000 pontos usando pouco mais da reserva de oportunidade que agora possui apenas 30% do valor original. Agora, só uso esse percentual se cair abaixo de 60.000.

Vendi ainda um pouco de dólar, sempre acima da cotação de R$ 5,00 para reforçar as compras. Comprei mais lotes de algumas das ações que comentei semana passada, e incluí um pouco de CVCB3, MYPK3 e VIVT4 que caíram bem, além de trocar posições entre alguns fundos imobiliários, vendendo um pouco de recebíveis e aumentando em logística.

No momento, o percentual de ações no meu portfólio está em 25%, FIIs em 17% e o pilar de câmbio, com a recuperação do ouro e manutenção do dólar em patamares altos, chegou a quase 20%, um patamar que, possivelmente, vou começar a vender mais se for ultrapassado. O restante continua em renda fixa, mas de longo prazo. A reserva de oportunidade caiu para menos de 3% do portfólio, e será reforçada essa semana com um saque de uma previdência em renda fixa que possuo (comentei essa estratégia aqui).

Bom, por enquanto é isso… Vamos ver como serão as próximas semanas…

Sucesso!

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Acumulador Compulsivo
4 anos atrás

Tenho debatido sobre isso incansavelmente nos últimos dias. Primeiro, como executivo, preciso tomar decisão sobre paralisação ou continuidade das atividades da empresa, equilibrando opiniões dos sócios e de alguns colaboradores mais influentes. Além de ter a empresa localizada em diversos municípios diferentes (cada um com sua própria regra), tem sido um grande desafio diário. Me falta um pouco de energia para debater (rs), pois além disso também debato bastante com amigos e familiares. Mas, com tudo que venho acompanhando – quase que instantaneamente, observo que o Brasil (por incrível que pareça), é Top 5 dos países com mais leitos de… Leia mais »

Acumulador Compulsivo
Reply to  André
4 anos atrás

Isso, FDA validou. Me confundi.
Grande abraço e parabéns pelo debate de alto nível.

Guilherme
4 anos atrás

Excelente texto, André! A sociedade realmente precisa debater alternativas a essa paralisação geral. É preciso compatibilizar as medidas protetivas à saúde pública com medidas que não destruam por completo a economia.

Abraços!

Anônimo
Anônimo
4 anos atrás

A empresa que eu trabalho multinacional mandou todos trabalharem em casa, porém em abril deu férias coletivas já que não adianta produzir se não conseguimos exportar, no geral os paises nao estao comprando! Será que não é melhor manter a quarentena enquanto o mundo está também e conseguirmos diminuir as infecções do que continuar normalmente, aí daqui a 1 mês quando o mundo voltar ao normal, o Brasil estar no topo das infecções? Eu penso que esse segundo cenário seria muito danoso!

Jean
Jean
4 anos atrás

Olá “O que me incomoda mais é estarmos seguindo apenas uma linha que a maioria dos infectologistas traçou. Porém, infectologistas não veem a floresta, e sim as árvores. ” Está sendo observada a floresta sim – para isto que serve epidemiologia. Está sendo observada justamente a disseminação do vírus dentro da população (“floresta”) e seu potencial impacto no colapso dos sistemas de saúde – inclusive, já temos resultados práticos de vários tipos de ação em diferentes países. Na verdade, todo o problema, desde o início, tem sido avaliado pelo viés da floresta – incluindo o alto valor do conhecimento sobre… Leia mais »

Jean
Jean
Reply to  André
4 anos atrás

Bom dia, André Entendo que não haja consenso sobre os temas relacionados à epidemia e tenho consciência que existem diferentes linha de pensamento sobre o tema. Mas bato novamente no ponto do senso de prioridade: primeiro conter disseminação da doença, depois e enquanto contém a disseminação, fazer qualquer outra coisa, inclusive o debate. Foram sendo perdidas continuamente janelas de oportunidade de ações preventivas para tentar segurar a disseminação do vírus, em função de política, economia e finanças, que eram exaustivamente debatidas enquanto o vírus se disseminava. No Brasil e em boa parte dos países do mundo, por exemplo, as seguintes… Leia mais »

Marcia Loureiro
Marcia Loureiro
4 anos atrás

Muito bem esclarecido este ângulo de visão e bem provocativo à discussão mais ampla das próximas medidas.

Marins
Marins
4 anos atrás

Situação complexa e sem diálogo então, pior ainda. Falar que não estou preocupado com a economia seria me iludir. Todos nós estamos. Mas infelizmente não conseguiremos trabalhar e manter a sanidade se a cada dia que passar a quantidade de mortos dobrar sem controle a cada 3 dias. Por que a Inglaterra agora resolveu aderir à quarentena? Porque nenhum político vai consegui lidar com o ônus de milhares de mortos para salvar a economia.
De uma coisa temos certeza. Isso vai passar. Quem já é Fire, nada muda. Quem ainda não é segue o plano.

Anonymous
Anonymous
Reply to  André
4 anos atrás

Quem defende o lockdown não deseja quebrar a economia… assim como quem quer a economia normalizada não deseja morte das pessoas… temos que entender isso antes de “defendermos nossas posições”, exatamente pra fugirmos do debate binário… Partindo disso, eu acho: o lockdown é mais do que necessário e ele é aplicado para que a contaminação se espalhe no tempo e, assim, os casos graves, que necessitam de UTI, tem mais chances de serem revertidos. Lockdown não é sobre diminuir mortes diretamente, mas sim sobre não colapsar o sistema de saúde. Obviamente que com todos parados em casa teremos a paralisação… Leia mais »

Anonymous
Anonymous
Reply to  Anonymous
4 anos atrás

E mais: querer voltar à normalidade agora, sem termos uma atitude convincente e coerente do presidente, é dar um tiro no pé! Me diz: o mundo está parado e muitas pessoas estão paradas. Aí liberam de voltar ao normal, deixando a quarentena de lado. Vc, de verdade, acha que no dia seguinte os restaurantes e shopping estarão lotados? A economia já sofreu um baque! E no mundo inteiro! Teremos que buscar novas soluções! Querer voltar ao que era antes não vai dar certo… E aí teremos a economia quebrada e mais mortos ainda… Por isso, a função de um governo… Leia mais »

Bilionário do Zero
4 anos atrás

Concordo com você. Vamos rezar para que os danos sejam mínimos, mas só com essas semanas paradas já vamos ter um belo impacto.

lino
lino
4 anos atrás

Vendeu dolar? vai se arrepender no longo prazo

Investidor Inglês
4 anos atrás

Fala André! Que fase que estamos passando! Eu ainda estou trabalhando e olha, o clima não é nada bom. Pessoas tremendo, com pânico devido ao vírus (e ao excesso de informação que está paralisando a galera) está destruindo o convívio profissional. Sem contar o convívio social. Conheço pessoas que surtaram… Enfim, o pânico provoca isso não? E pelo que parece, era tudo o que queriam. Pânico. Infelizmente, conseguiram. E por essas e outras podemos passar por algo nada jamais visto. O crash de 29 talvez seja nada perante ao que nos espera. Tenso. Sobre os movimentos, eu gastei meus cartuchos… Leia mais »

Cowboy Investidor
Cowboy Investidor
4 anos atrás

Olá, André.

Estou de acordo contigo. O pessoal só fala: “Fique em casa”. Está igual papagaio repetindo isso. Esse negócio de quarentena não vai funcionar por muito tempo pois a economia vai entrar em colapso.

O Bolsonaro fez um pronunciamento onde falou algumas besteiras, mas apoio ele quando fala que o país tem que voltar a normalidade.

Abraços!

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