Os textos de Marco Túlio Cícero, filósofo, político e advogado na Roma Antiga, foram determinantes na construção dos ideais de liberdade em nossos tempos.
Veja como suas principais ideias influenciaram uma geração de teóricos da estirpe de John Locke e Voltaire.
Marco Túlio Cícero foi um filósofo romano autor de um extenso material escrito há mais de 2.000 anos, caprichosamente preservado pelo destino. Também advogado, político e escritor, influenciou notadamente a cultura ocidental pela qualidade de sua obra, que se tornou um material fundamental para entender a história de Roma no século que antecedeu o ano zero do calendário cristão.
Viveu ao final da república romana, em um período em que a transição do período helênico para o período romano na história da filosofia ainda estava em curso. O grego ainda era a língua mais utilizada pelos nobres e fonte de toda a sabedoria filosófica, embora a maior parte da população comunicava-se em latim.
Foi um período de decadência da instituição republicana de Roma e significativa ascensão das aspirações tirânicas de seus líderes. Cícero viveu assim, em um período onde as (relativas) liberdades políticas como instituição de ordem que sobreviviam desde a democracia grega estavam sendo dilaceradas e culminariam no assentamento ao mundo ocidental de um período de despotismo que levaria séculos para ser revertido.
Cícero e sua luta contra a tirania em Roma
Orador de grande habilidade, sua carreira política teve início com um cargo de questor, onde defendeu o povo siciliano contra o governante Caius Verres. Posteriormente, alcançaria o cargo de adile (responsável pelos jogos e serviços públicos) e pretor (juiz), tornando-se em 63 a.C., cônsul da república romana.
Já cônsul, desferiu ataques ao modelo romano de guerra, que sequestrava dos povos conquistados seus direitos naturais e sua liberdade. Entusiasta do modelo republicano, protegeu Roma de uma conspiração tirânica (com a compra de votos populares), liderado por Catilina.
Seus discursos nessa ação foram preservados e constituem um dos mais belos documentos que mostram a beleza de sua oratória e eloquência. Em um desses discursos, Cícero diz (e qualquer semelhança com a época atual que vivemos no Brasil não é mera coincidência):
“Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem? (…) Oh tempos, oh costumes!(…)”
A luta política contra a tirania
Vivenciando um dos períodos mais conturbados da história romana e ardoroso crítico da tirania, negou o convite para participar da formação do que mais tarde seria conhecido como primeiro Triunvirato, composto por Crasso, Pompeu e Júlio César, e cujo ordenamento assistiu desolado.
Após a morte de Crasso, em uma das muitas guerras romanas, na Ásia menor, o conflito resultante pelo poder entre os dois últimos foi vencido por César, que implantou assim, um governo absolutista.
Cícero, uma pessoa já influente em Roma, havia recebido inúmeras investidas para declarar seu apoio nas sangrentas disputas pelo poder, as quais foram negadas inicialmente. Posteriormente amparou-se envergonhadamente no préstimo a Pompeu, que via como uma menor ameaça ao regime republicano, o qual defendia.
Perdoado e voltando à Roma após o banho de sangue capitaneado por Júlio César, apoiou discretamente os planos para seu assassinato e a restauração da república através de seu filho adotivo Otaviano.
Da mesma forma que não apoiava César pela suas ameaças contra a liberdade, atinou pelo mesmo perigo no novo líder romano em ascensão, Marco Antonio, e enfrentou-o no Senado. Não foi suficiente para evitar a constituição do segundo triunvirato formado por Marco Antonio, Otaviano e Lepidus. Colocado como inimigo em uma lista de condenados, Cícero foi assassinado em 43 a.C.
O fim da já cambaleada República data oficialmente em 27 a.C. na tirania de Otaviano (mais tarde Augusto), mas na prática sua desconstrução já tinha ocorrido em 44 a.C., com a exaltação de César como ditador perpétuo de Roma.
Cícero e seu legado: ética, liberdade e Estado
Além da advocacia e carreira política, dedicou-se à escrita e usou de sua excelente educação em grego para tornar palatável a um público maior os fundamentos da filosofia grega, escrevendo em latim. Cícero, já considerado um filósofo, introduziu no vocabulário as palavras essentia, qualitas, e moralis, ou seja, essência, qualidade e moral, traduzindo obras dos principais filósofos gregos pós-aristotélicos.
Patrocinou a ideia de que o homem deve agir sob uma ética cuja principal base é a honestidade, utilizando a sabedoria para controlar seus instintos e demonstrando senso de justiça e caráter sem prejudicar o direito dos demais.
Cícero foi também um dos principais expoentes na teoria do principal legado da história romana para a civilização ocidental: o Direito Romano. Através da influência estoica grega, conferiu ao direito um aspecto de arte organizada a partir de um reduzido número de princípios, enfatizando direitos naturais que seriam decisivos para construção dos pilares no conceito de um Estado de Direito, recorrendo às leis, que estariam em um patamar acima dos homens, para manter a ordem e respeito às regras sociais.
Mas também relativizou e atribuiu um sentido moral e ético às leis, dividindo-as em leis superiores e leis de governos, uma vez que essas poderiam ser impostas por tiranos.
O conceito de Cícero para a liberdade não possui a ampla concepção utilizada no liberalismo. Seus textos mostram a liberdade como um resultado do império das leis, que deveriam garantir os direitos dos cidadãos.
Antes de ser, como o estoicismo, um defensor da liberdade de escolha pessoal, porém, Cícero pode ser entendido como um defensor dos direitos universais, apesar de o contexto da época relativizar a abrangência desses direitos, como a existência da instituição escravocrata (inicialmente a favor do regime, mudou de opinião posteriormente, além de nunca ter possuído escravos em suas fazendas, e sim arrendatários).
O próprio Cícero em sua obra Da Republica, cita que “Quando o povo pode mais e rege tudo ao seu arbítrio, chama-se a isso liberdade; mas é, na verdade, licença”, procurando as razões para a dificuldade de se obter verdadeiramente a liberdade em um contexto republicano.
O filósofo advogou um governo misto, com a figura de um chefe de Estado (sem caráter hereditário) submetido às leis, um princípio deliberativo que permita a discussão entre diversas instâncias sociais e o respeito à liberdade de todos os súditos.
Cícero ainda foi um dos pioneiros em atribuir códigos de ética de uma forma prática, e entre eles, assinalou que uma das funções do Estado é a garantia da propriedade privada. A obra Dos Deveres, foi utilizada nas escolas da Inglaterra como um texto de ética e influenciou filósofos como John Locke, que por sua vez, possuiu importante papel na filosofia liberal e na Revolução Americana.
Para ler mais sobre John Locke e suas influências no campo da liberdade e dos direitos naturais, veja o artigo: “Liberdade e Poder: os direitos de John Locke revisitados“
No século XVIII, Voltaire, pensador amante das liberdades civis e de livre comércio, sofreu também influência de Cícero e comentou em seu Dicionário Filosófico: “sua obra é a melhor que possuímos em termos moral e deveríamos ter piedade a aqueles que não lê-la”. Diz Cícero em Dos Deveres:
“O primeiro dever do governo de um Estado é assegurar a cada indivíduo a possessão de sua propriedade privada. (…) o governante deve cuidar principalmente que cada indivíduo esteja seguro em usar o que é seu e que não seja despossuído do que tem, por pretensão de uso público.”
Um defensor do estado de direito e da liberdade
Um dos lemas de Cícero para a correta tomada de decisões era simples: fazer o que é certo, definindo-o como legal, o que está escrito em lei. Mas sabendo que as leis podem ser injustas, ampliou o conceito de correto para o que é honesto e justo, mantendo o cumprimento da palavra e propagando a verdade.
De uma forma simples e talvez ingênua, exclamava que as pessoas sabem o que é certo e errado na maioria das situações, e agir corretamente é o primeiro passo para uma vida feliz e bem sucedida. Palavras profundas, mas de difícil aplicação.
É fácil concordar com os corretos fins, que em geral são unânimes mesmo entre adversários políticos ou oponentes em um debate. Porém, é mais difícil concordar com os corretos meios para atingi-los.A confiança em um estado de direito baseada em uma lei geral notadamente correta, em contraposição a um estado de homens, pode estar oculta nas ideias de Cícero como sendo a idealização de uma sociedade de liberdade e paz.
Entretanto, o que mantém essa lei geral, essa constituição, operante não são as ações dos homens, mas suas crenças de que a lei está acima de suas próprias veleidades. Mas uma vez que crenças não podem ser estipuladas e prescritas, elas são produto do livre-arbítrio de cada indivíduo.
Os textos de Cícero mantiveram durante séculos essa ideia oculta de liberdade, tornando-o um dos precursores dos ideais liberais que hoje tentamos recuperar nesse mundo dominado pelo coletivismo.
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Parabéns, precisamos de Cicero e Ciceros….. para fazer a diferença nesses nossos momentos tão difíceis.
Com certeza! 🙂
apaixonei-me pelas obras de Cicero com o livro A Republica
Sempre bom ler obras clássicas, não, Anon?
Caros, esse post tinha mais de 20 comentários no Disqus, muitos com informações complementares e importantes. Mas na migração do Blogger para o WordPress, no final de outubro, todos se perderam. Não os acho nem nos fóruns da empresa.
Se alguém tiver conhecimento e poder ajudar, é só enviar um e-mail ao blog!
Obrigado!
Senhor ANDRÉ AZEVEDO, quero avisá-lo que os extremos devem ser evitados, como absolutismos e relativismos, ascetismos e hedonismos, anarquias e totalitarismos, bioquices e licenciosidades, conservadorismos (direitismos) e liberalismos (esquerdismos), feminismos e machismos, sacrilégios e santimônias e assim sucessivamente, pois são muito maléficos para nós. O Estado deve ser centrista (centro político-jurídico), pois é a única legítima entidade constitucional que cuida das comunicações, das culturas, dos desenvolvimentos sociais e dos combates à fome, dos direitos humanos, das educações, dos esportes, das justiças, dos nacionalismos, das saúdes, das seguranças, dos transportes e assim sucessivamente. Sou totalmente favorável à volta dos antigos Juizados… Leia mais »
???
Senhor ANDRÉ AZEVEDO, eu quero avisá-lo que constitucionalmente (1988) sou centrista. Este meu comentário fala sobre meu centrismo constitucional, pois eu lhe estava falando sobre os extremos, como absolutismos e relativismos, anarquias e totalitarismos, ascetismos e hedonismos, bioquices (pudores exagerados) e licenciosidades (impudores), conservadorismos (direitismos) e liberalismos (esquerdismos), feminismos e machismos, sacrilégios (mundanismos) e santimônias (santidades exageradas) e outros, que devem ser evitados, pois atentam contra o Estado de Direito Constitucional. Os verdadeiros direitos humanos são: alimentações, assistências sociais, culturas, desenvolvimentos sociais, educações, esportes, justiças (nada de linchamentos, nem de vinganças, nem de outras violências, como o Caso Fabiane Maria… Leia mais »
Leonardo, continua não tendo nada a ver com a postagem. Se continuar, terei que deletá-lo, ok?
Senhor ANDRÉ AZEVEDO, mostre-me de verdade algum ponto onde não tem nada a ver com o texto meus cometários sobre direitos humanos! Agradeço-lhe de todo o meu coração! Desejo-lhe uma Próspera Copa do Mundo de Dois Mil e Catorze! Obrigado!
Olá amigo, apenas olhei por cima o seu site, mas me pareceu bem bacana. Vou explorá-lo com mais calma em outra oportunidade. Vi que gosta de finanças e investimento.
Creio que talvez possa curtir o meu blog. É voltado para finanças, mas também escrevo sobre minhas viagens. Deixo aqui dois relatos. Abraço!
http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/04/america-central-na-terra-dos-maias-dos.html
http://pensamentosfinanceiros.blogspot.com.br/2014/04/japao-flor-estupida-e-graciosa.html
O texto fala de Cícero, no século anterior ao nascimento de Cristo e detalha os seus pensamentos a respeito da liberdade.
Olá Soulsurfer. Abri seus links e parece muito bom! Agora estou meio correndo aqui e não vou conseguir lê-los, pois são longos relatos, mas estou deixando registrado aqui para ver com calma quando terminar o fim de semana. À primeira vista, a qualidade pareceu ser muito boa! Fui na sua página inicial e apenas senti falta de um índice para checar todos os posts.
De qualquer forma, poderemos trocar boas ideias sim! Grande abraço!
Olá André! Vi o seu blog por um comentário seu no blog do Mansueto (que gosto bastante).
Achei interessante o nome viagem lenta.
Pois é, quero melhorar o layout do blog, colocar algumas funcionalidades, mas a minha ignorância digital está me atrapalhando:)
Abraço!
Soulsurfer, se precisar de alguma ajuda nisso, estamos por aqui! Boa semana! Abraço!