Uma viagem de barco em redes de Manaus a Belém subindo o Rio Amazonas, passando em Alter do Chão.
Botos e outros bichos, índios, selva, praias, museus e encontros de muitas águas!
Uma das definições de exótico atribui à palavra o que provém “de fora”, o que não é comum em seu país. Mas como caracterizar tal adjetivo para um país de dimensões continentais como o Brasil?
Para a maioria dos leitores brasileiros acostumados com as conveniências e confortos urbanos, não é natural designar como exóticos lugares como Miami ao invés de uma viagem pelos rios da Amazônia, com contato com uma população que nunca saiu de tal ambiente. O exótico perpassa essa definição. Não tem relação com fronteiras, e sim com costumes e paradigmas.
Viajar pela Amazônia e, ainda mais, pelas suas águas é conviver com esse exotismo, mesmo tratando-se do mesmo Brasil. Ainda que precisemos ter a consciência de que o padrão e o exótico estão cada vez mais a se misturar com a expansão das comunicações. Viaje o mais rápido possível, pois o exotismo está em extinção!
Primeira etapa da viagem: Manaus
Chegamos em Manaus pelo ar. Alternativas não poderiam ser consideradas viáveis visando um aproveitamento eficaz do tempo. E voltamos da mesma forma, de Belém, para Campinas.
Entre as duas cidades, entretanto, andamos apenas de barco, com uma parada em Alter do Chão, no município de Santarém. Em Manaus ficamos na casa de um grande amigo que rivaliza comigo em número de estados brasileiros onde já estabelecemos residência. Os encontros foram regados a peixe, carne, cerveja e conversa boa.
Claro, estivemos no Teatro Amazonas e assistimos a um show musical, visitamos Ponta Negra e rodamos na “nova” ponte do Rio Negro, cuja construção completou-se poucos anos atrás. Conforme relato do meu amigo, a proibição da livre circulação na ponte à época de sua inauguração foi um dos grandes exemplos de como o corporativismo pode destruir esse país.
Em Manaus visitamos também catedral e a Biblioteca Municipal. O prédio, oitocentista e em estilo neoclássico, está bem conservado e preserva em seu interior as escadas, colunas e lustres que vieram da Europa, além de muitos quadros e decorações da época. Uma pena que estivesse vazia.
Claro que com o crescimento do acervo eletrônico é uma tendência inevitável, mas é triste constatar um quadro que transmite a realidade do desinteresse das pessoas na leitura e no estudo, necessários para entender o mundo e aspirar nele algo melhor.
Hoje virou moda as universidades formar militantes profissionais nas áreas de humanas, e não profissionais para pensar e formar novas pessoas. Professores são o maior exemplo. Querem formar pessoas ativas politicamente, ansiosas por monopolizar a virtude e com a certeza que entendem o que é melhor para o país sem saber aritmética básica e sem uma noção mínima da lei da causa e consequência.
Durante um dia em Manaus, fizemos um passeio turístico de barco, passando pelo encontro das águas do Rio Negro e Solimões, distante de Manaus cerca de 40 minutos. Visitamos uma comunidade totalmente fluvial, onde a única possibilidade de transporte entre as casas, comércio, escola e igreja ocorre pelo rio.
Voltamos pelo Rio Negro para almoçar em um refúgio no lago Janauari, próximo ao parque ecológico de mesmo nome, em um restaurante espetacular: comida à vontade e uma fantástica vista. Atrás do restaurante, andando sobre uma ponte sobre palafitas apinhada de macacos pedindo comida, vemos o lago das Vitórias-Régias, que não nos presentearam suas flores desabrochadas.
Passamos ainda por um local onde alguns ribeirinhos criam bichos-preguiças e possuem cobras e jacarés, o que permitiu que tivéssemos contato com eles. Carregar um bicho-preguiça faz você imaginar como aquele ser consegue sobreviver em uma floresta com predadores; até para piscar o bicho é lento.
Após um mergulho no rio junto ao boto cor de rosa (vídeo aqui), onde um ribeirinho o alimenta com peixe fazendo com que ele se apresente para todos para conseguir seu alimento, chegamos ao final do passeio na visita da comunidade indígena de São João do Tupé, onde os índios nos recebem mostrando algumas danças típicas. Os limites entre a realidade e a encenação para os turistas dividem, entretanto, opiniões.
Seguindo viagem: indo de barco até Santarém
Chegando o dia da ida a Santarém, fomos cedo ao porto para colocar nossas redes no barco em um bom lugar. O vai e vem de ambulantes marca os momentos que antecedem a viagem, em meio ao entra e sai de gente, motos e carros.
Para entender como é a acomodação, as fotos falam por si. O link do álbum completo está ao final do texto. O cuidado consiste justamente em chegar cedo e montar sua rede longe do banheiro e do motor do barco. Se for um lugar de canto, como o que conseguimos, melhor.
O fato é que fomos de certa forma tranquilos, sem aperto. Apenas de vez em quando a extremidade de outra rede roça na sua e ocorre um balanço em conjunto, que auxilia, entretanto, a pegar no sono.
Dormir de rede em barco é bom para incentivar a dormir cedo e acordar cedo, uma vez que o ambiente é aberto e a luz começa a invadir o local antes das seis da manhã. O tempo ficou bom na maior parte da viagem, embora durante uns 40 minutos pegamos uma chuva forte e rápida (típica da região), o que fez o barco balançar razoavelmente. No momento da chuva a tripulação baixa os toldos dos vãos do barco para melhor proteção.
Eventualmente a tranquilidade era interrompida por vendedores que nos alcançavam com um bote, “atracavam” seu veículo no navio e vendiam seus produtos: camarão, queijo e farinha.
A viagem até Santarém durou 30 horas. Saímos na hora do almoço e chegamos ao final da tarde do dia seguinte. Nosso barco, o “Golfinho do Mar”, era simples. Banheiros e chuveiros no mesmo ambiente não eram convidativos ao desfrute. Não havia lazer, um bar ou televisão. Então, restava-nos apreciar a vista, uma leitura e papear com outras pessoas.
Ganhamos por duas horas um notebook de um passageiro para assistirmos um filme até a chegada em Santarém e Alter do Chão. As tomadas de energia elétrica eram a melhor proposta do barco: corriam por uma canaleta através das redes e existia uma conexão a cada duas redes. Nas margens não existiam muitas comunidades isoladas, algo que vimos mais no segundo trecho da viagem, entre Santarém e Belém.
Chegada a Santarém e ida a Alter do Chão
Na chegada a Santarém, mais um fenômeno de encontro das águas: verdes e claras do Rio Tapajós com as águas barrentas do Rio Amazonas. Dizem que permanecem separadas por muitos quilômetros na direção de Belém, mas não pudemos checar pois saímos quase meia-noite de Santarém.
Em Alter do Chão chega-se por táxi ou ônibus. A maior diferença entre as opções é o preço: de táxi, R$120,00 e de ônibus, R$ 2,50. Tal diferença não deixa margem para discussão: fomos de ônibus, claro, junto com escolares que estudavam em Santarém e estavam voltando para suas casas.
No caminho, o ônibus sai da estrada principal e percorre um bairro precário de Alter onde os turistas não passam. Quem vai de táxi não vê a outra realidade de Alter. Entretanto, o distrito de Santarém possui como maior atrativo sua localização entre uma baía formada pelo Rio Tapajós e o Lago Verde, separados por um istmo (que as pessoas chamam de Ilha do Amor) não perene, ou seja, dependendo do nível das águas, ele é totalmente encoberto.
O extremo da estação seca, onde existe uma enorme quantidade de praias e areias na região é entre os meses de novembro e dezembro. O volume da água começa a aumentar em janeiro e por volta de abril todas as praias são encobertas.
Os barqueiros (a remo) que fazem a travessia da cidade para a Ilha do Amor cobram R$ 5,00 a viagem e possui esse emprego apenas de 3 a 4 meses ao ano. Nos outros, ou não existe ilha para ir ou o istmo se projeta até o continente, tornando possível a travessia a pé.
As praias de Alter do Chão são de fato, muito bonitas, com uma areia branca e grossa, onde inúmeras árvores reinam bem próximas à água. E o pôr do sol pode ser visto sob vários ângulos pela cidade. Situação geográfica privilegiada.
Porém, nada é perfeito: presenciamos um blackout durante algumas horas em uma noite e soubemos que a cidade teve um surto de hepatite recentemente. Coisas de Brasil…
Em Santarém chegamos logo cedo e passamos rapidamente. E percebemos que de fato, a beleza está somente nos olhos de quem a vê. A dona da pousada que ficamos em Alter nos contou que a orla de Santarém era linda.
Andamos e andamos e não vimos nada de beleza. Uma parte estava em construção, e a outra, feia e com cheiro de peixe. Do lado oposto da avenida, esgoto corria nas sarjetas.
Como saímos para comprar também nossas passagens de barco para Belém, e como havia uma opção de um barco que saía na mesma noite, não dormimos na cidade. Escolhemos esse barco para chegar mais cedo na capital do estado. A compra de passagens ocorria apenas pela cooperativa dos operadores, e claro, com preço tabelado eram muito mais caras do que o barco de Manaus a Santarém, pois lá havia concorrência.
Novamente, coisas de Brasil: uma entidade toma conta de um setor, impõe seus preços, carteliza tudo e o consumidor se ferra. O incrível é que tanta gente ainda defenda tal corporativismo e abomine a ideia de livre concorrência e livre mercado. Esse é um dos pensamentos que fazem com que nosso país continue afundando cada vez mais em relação ao resto do mundo.
De Santarém a Belém
Após Alter do Chão e Santarém, adentramos em uma viagem de barco a Belém, muito similar à anterior. O barco era um pouco mais velho, mas maior e com mais estrutura. Tinha um restaurante, bar com TV led de 42 polegadas e chuveiros separados dos banheiros. A viagem foi mais agradável e confortável.
Ao final da viagem, a partir da região da cidade de Breves, “capital” da ilha de Marajó, o trecho é feito em estreitos dos rios (eles chamam de furos) onde as margens ficam bem próximas, além de existir uma população ribeirinha mais frequente.
Até Belém, vimos muitas casinhas de madeira à margem do rio, percebendo que a rotina de seus moradores é muito, mas muito diferente da nossa. Antes da entrada desses “furos”, fiz também nesse momento um filme bem curto de um dos trechos da viagem que dá para ter uma quase sensação de mar aberto. E olha que não estávamos na época de maior cheia.
O vídeo está, como o anterior, no You Tube, e pode ser visto aqui.
Tivemos sorte de estar em Belém em uma terça-feira: é o dia em que todos os museus e parques são gratuitos.
Visitamos todos os pontos turísticos e históricos da região central, com destaque ao Mangal das Garças, um espaço muito bem cuidado com muitas aves soltas (veja o momento de alimentação das garças nesse vídeo), orquidário e que também abriga o Museu da Marinha da Amazônia e um espaço para compras de artefatos indígenas “originais” da tribo Asurini, no alto Tocantins.
Aspas são colocadas nessa palavra pois conversamos com a administradora do local, e ela nos informou que apenas parte dos objetos são originais (principalmente a cerâmica), mas a produção de outra parte é “incentivada” para tornar os artigos mais vendáveis.
Ou seja, cultura indígena só é boa se for vendável… perguntei se eles vivem de fato como seus ancestrais e ela foi honesta a afirmar que não, que, como a maior parte de sua renda vem do Bolsa-Família, eles navegam em suas canoas motorizadas durante 8 horas à cidade de Altamira e fazem suas compras por lá.
São mais os brasileiros brancos que querem que os índios vivam conforme suas tradições. Eles mesmos, querem produtos da civilização. Sobre cultura indígena, veja esse artigo que escrevi ano passado.
Avaliando rapidamente algumas das atrações de Belém, a visita à Casa das Onze Janelas vale apenas pela sua construção histórica. As obras de arte que estavam exposição lá dentro são horríveis. O Forte do Presépio, interessante pelo contexto histórico, fica ao lado.
A Catedral é muito bonita, com lindos afrescos no teto, mas o Museu de Arte Sacra, construído na antiga Igreja Santo Alexandre, é fenomenal, com grandes obras de madeira talhada em estilo barroco.
Como também não poderia deixar de ser, visitamos o complexo do Mercado Ver-o-Peso, onde come-se e vende-se de tudo. Castanhas do Pará de R$15,00 a R$35,00 o quilo (dependendo se estão quebradas ou não) e castanhas de caju por R$40,00 o quilo. As docas, reformadas já há alguns anos, também foram visitadas e continuam um ponto da cidade muito agradável para passeio e entretenimento, embora o preço dos souvenirs sejam bem mais altos do que os vendidos no Ver-o-Peso.
Assim, essa foi mais uma viagem diferente, uma viagem em busca de experiências distintas que só são possíveis de serem sentidas se tivermos a coragem de sair um pouco de nossa zona de conforto. Aliás, para alguns textos sobre zona de conforto e outros temas ligados às viagens, visite essa página de Filosofia de Viagens.
Nessa postagem foram colocadas apenas algumas fotos, mas nesse link podem ser vistas (quase) todas.
Explore mais o blog pelo menu no topo superior! E para me conhecer mais, você ainda pode…
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Oi André, são posts assim como o seus que ajudam muitos viajantes a se encontrar, e assim como eu, programar uma viagem legal!
Final de novembro para dezembro pretendo fazer esse roteiro. Vou chegar por Manaus, ir a Alter do Chão e depois Belém e Ilha de Marajó.
Te agradeceria muito se puder me orientar quanto ao deslocamento de Santarém a Belém ou Ilha de Marajó. Estou muito confusa, pois não encontro a opção sobre ir de barco, valor médio e quantas horas seriam.
Muito obrigada desde já.
Olá, Camila!
Eu fiz essa viagem há uns 7-8 anos. Então, muita coisa pode ter mudado.
Nós compramos a passagem em Manaus mesmo, no local de onde os barcos saem. Tem muitos vendedores por ali, até mesmo pela cidade. Acredito que é algo fácil de encontrar.
Sobre valores não lembro, mas não é nada exorbitante. E, se não me engano, para descer o rio é bem mais rápido, com cerca de dois dias até Alter/Santarém, depois um pouco menos que isso até Belém.
Boa viagem!
Gostei muito do texto e do blog, Obrigada André. Estou com vontade de seguir seus passos graças a seu relato de sua VIAGEM LENTA!
Só não estou encontrando o link para comprar o pacote
• Visita comunidade totalmente fluvial
• Voltar pelo Rio Negro / lago Janauari, próximo ao parque ecológico
• visita da comunidade indígena de São João do Tupé
Voce se incomda de enviar?
Grata
Elisa
Oi, Elisa! Que bom que gostou!
Eu fiz essa viagem há muitos anos. Além disso, não compramos pacote. Fomos diretamente no cais, compramos os bilhetes e entramos no barco! 🙂
Abraço e boa viagem!
Olá André,
Muito bacana seu relato. Encontrei pesquisando para uma viagem a Alter do Chão, que será o foco principal, porém vou incluir a parte de barco, pois estava vendo vôos para Santarém.
Se fosse para escolher um trecho, qual seria mais bacana Manaus x Santarém ou Santarém x Belém? Há a possibilidade de fazer os dois, mas devido ao tempo que queremos passar em Alter, talvez voe um dos trechos.
Muito obrigado.
Olá, Marcelo! Que legal! Vc vai curtir, com certeza!
Pelo que entendi vc quer saber qual dos trechos, de barco, é mais interessante, né?
Olha, eles são bem semelhantes, mas acredito que Manaus – Santarém é mais selvagem, mais impressionante. Porém, o ponto é que, de Santarém, vc pega o contrafluxo do rio para Manaus e demora bem mais. De Santarém para Belém vc vai muito mais rápido. Então, pense no tempo disponível que possui também.
Abraço e boa viagem!
O post ficou muito bacana. O que mais gostei é da sinceridade no relato da viagem, hoje em dia o que não falta são blogs de viagem onde não importa o quão ruim um destino possa parecer, às perrengues que se passa e até mesmo o desencanto de um ponto turístico não ser tudo aquilo que se falava. O seu relato dessa viagem mostrou que é uma rota das mais interessantes e surpreendentes, é bem diferente e distante das tradicionais rotas de férias que os brasileiros amam parcelar em 12x no cartão, a viagem Manaus-Belém é exótica, é encantadora, mas… Leia mais »
Opa, obrigado, Poupador!
A ideia é essa mesmo, mostrar os prós e contras. Os outros textos sobre viagens vão na mesma linha!
Abraço!
Caros, esse post tinha mais de 20 comentários no Disqus, muitos com informações complementares e importantes. Mas na migração do Blogger para o WordPress, no final de outubro, todos se perderam. Não os acho nem nos fóruns da empresa.
Se alguém tiver conhecimento e poder ajudar, é só enviar um e-mail ao blog!
Obrigado!
Muito bom, viajo e conheço lugares com a sua VIAGEM LENTA!!!!
Que bom! 🙂
Bem legal ! Quero muito conhecer pelo menos uma parte da Amazônia, realmente deve ser uma viagem única !
Mas, achei meio caro o preço das castanhas, por vcs estarem lá ! rs ! Parece que as que compramos aqui no Mercadão não são muito mais caras que isso … ou me engano ?
Abraço !
De fato Azul. Conferi os preços no Ceasa agora e a de caju está entre 37,50 e 50,00. Seria barato se comprássemos em supermercado hehe
Não costumo ir no mercadão. Preços são semelhantes ai Ceasa?
Abração!