Relato de viagem para as isoladas ilhas de Don Det e Don Khon, localizadas no meio do rio Mekong, no arquipélago fluvial Si Phan Don – ou 4000 ilhas), ao sul do Laos.
A visita a essas ilhas é um exemplo de mudanças de planos ocasionadas pelas sugestões de colegas durante a viagem. Meu plano inicial era ir direto para a capital do Laos, possivelmente através da Tailândia novamente, pois o caminho é mais curto.
Decidi, porém, fazer um outro caminho, através da fronteira do Camboja para alcançar um lugar conhecido como “4000 islands”, ou Si Phan Don, um grande arquipélago fluvial no meio do Rio Mekong. Dentre todas as ilhas, as mais visitadas são as ilhas de Don Det e Don Khon. Foi o lugar mais remoto e longe da civilização que visitei até agora. Uma simples verificação no Google Maps demonstra do que estou falando. É o meio do nada.
A viagem de ônibus desde Siem Reap, no Camboja, começou às 05 da manhã e durou 14 horas. Embora o ônibus “VIP” fosse bem razoável, a má condição da estrada, principalmente na fase final de chegada na fronteira, não permitiu nenhum conforto durante a viagem; parecia que estávamos no lombo de um burro…
Para os procedimentos burocráticos na fronteira, praticamente todos os passageiros delegaram ao funcionário da companhia de ônibus a tarefa de providenciar a saída do país, a emissão do visto e a chegada ao Laos. Não esperamos nem uma hora, e nem vimos a cara dos agentes laosianos. Ele voltou e entregou os passaportes todos carimbados e com o visto. Claro que recebeu uma boa comissão por isso. Mais uma prova que visto só serve para encher o bolso do governo e remunerar alguns funcionários através de propinas.
Chegamos já de noite, e o ônibus nos deixa em uma estrada próxima a uma pequena vila às margens do rio. Nessa vila, pegamos um bote totalmente rústico, que quase virou quando uma das pessoas mexeu-se para mudar de lugar. Em um breu absurdo, numa noite totalmente estrelada e longe das luzes das cidades, não seria um bom lugar e uma boa hora para o bote virar, com todas nossas bagagens… Mas chegamos são e salvos na outra margem.
Esses dias foram acompanhados por um pessoal da Inglaterra, um australiano, com o qual dividi um bangalô, e uma espanhola, todos recém-conhecidos no ônibus durante a viagem a partir do Camboja. O sinal de Wi-fi na ilha é muito recente e péssimo. O indiano-inglês dono dos bangalôs nos disse que a energia elétrica só passou a ser oferecida 24 horas por dia no ano passado, e mesmo assim, apenas em algumas construções. Não existe iluminação nas vielas. De noite, a escuridão reina. E, após um jantar e umas cervejinhas, dormimos relativamente cedo, pois estávamos todos cansados da viagem.
No dia seguinte percebemos o quanto a ilha lhe obriga a relaxar. Não se tem muita coisa para fazer, mas sim para sentir e apreciar. Um atmosfera preguiçosa toma conta de todo o local. Não existem avenidas, nem carros, apenas uma rua que circula por toda a ilha com no máximo 5 metros de largura. Os habitantes locais não devem passar de 300 pessoas, enquanto a maior parte são de turistas interessados nesse ambiente. Os turistas, entretanto, já mudam um pouco o estado da ilha, pois já existem muitos pequenos escritórios de turismo no local, que, em conjunto com alguns campos de arroz e a pesca, já a maior fonte de receita de seus moradores.
Decidimos alugar algumas bicicletas e pedalar até uma outra ilha, Don Khon, que é ligada de forma interessante a Don Det: através de uma ponte de concreto, construída pelos antigos colonizadores franceses, resquício do suporte de uma pequena ferrovia. Confesso que li algo sobre isso mas não consegui entender a lógica dessa construção, que foi abandonada na década de 40 do século passado. De qualquer forma, a ponte ainda hoje é utilizada pelos locais.
Para passar para a outra ilha não tem almoço grátis, nem em um país que se considera socialista (e manter essa consideração é uma piada, ainda vou escrever sobre isso posteriormente): existe um pedágio de 25.000 kips para estrangeiros (pouco mais de 3 dólares) para posteriormente termos acesso às cachoeiras e a praia fluvial. (Atualização: escrevi sobre isso após minha chegada ao Brasil no post: Socialismo e emoção: o exemplo do Sudeste Asiático).
As quedas d’água chegam a impressionar em virtude das ilhas, até então, serem totalmente planas durante o nosso circuito de bike. Mas quando estamos a chegar mais próximos das cachoeiras, percebemos ao fundo uma elevação que causa todo esse fluxo de água. A ilha de Don Khon é suficientemente grande para mantê-lo perene durante todo o ano, embora nas monções, nas cheias, ele modifique completamente a paisagem.
As cachoeiras formam alguns lagos naturais que possibilitam o mergulho e desembocam num estuário que forma a praia em que fomos a seguir, de areias impressionantemente brancas e volumosas, como uma praia marítima. Voltamos posteriormente para assistir um pôr do sol espetacular brilhando sobre o Rio Mekong. Uma paz que nem os barquinhos barulhentos a motor que sobem e descem o belo rio Mekong conseguiam desvanecer.
No segundo dia completo na ilha decidi não fazer absolutamente nada e absorver um pouco a atmosfera do local. Enquanto o sol estava forte, li alguma coisa que tinha salvo para ler no computador e um pouco de um livrinho de alguns ensinamentos budistas que ganhei, em frente ao rio no grande bangalô do restaurante da pousada.
No meio da tarde aluguei um “tube”, ou uma câmara de pneu de caminhão, e fiquei de bobeira no rio até um novo pôr do sol. Deixava a corrente levar, influenciava os movimentos eventualmente para chegar na outra margem (o que não foi legal, pois vi um depósito de lixo “escondido” dos olhos dos turistas), mas sempre na mesma forma vagarosa, nesse novo arranjo de viagem lenta: na câmara de um pneu de caminhão flutuando no Rio Mekong… Sempre tem um jeito de aumentar as opções de viagens lentas!
No dia seguinte, decidimos todos deixar a ilha de Don Det, mas cada um do grupo teve seu destino. Eu parti para a capital do país, em uma viagem cansativa, de 4 horas até Pakse, uma espera de 5 horas na cidade para pegar o ônibus-leito até Vientiane, que demoraria mais 10 horas.
Foram três dias de relaxamento total e mais um quarto dia de viagem que me manteve praticamente ausente do mundo digital: só conseguia alguns minutos de conexão por dia e apenas pelo celular.
Mesmo para quem usa esse meio para contatos e alguma forma de trabalho, um afastamento é importante para ao menos, certificar-se que você ainda controla e responde pelos seus próprios atos, e que a intensidade da ansiedade pode ser menor do que a sensação trazida por esse afrouxamento das tensões mentais. Talvez seja um caminho a ser provado em direção à capacidade de meditar e relaxar a mente… 🙂
Próxima parada: a capital do Laos, Vientiane.
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As postagens dos roteiros e também dessa aventura que começou na Europa, passou pela Ásia, retornando ao velho continente, estão na página da viagem de 205 dias à Ásia.
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Este lugar tem um "que" de familiar e ao mesmo tempo de fim de mundo impressionante! Parece tirado de um sonho, mistura de algum recanto do Brasil com os confins da Ásia. Algumas fotos deste lugar (principalmente as outras fotos da ilha) me remeteram a isso: estranho mas familiar.Minha análise é porque quanto mais nos afastamos das latitudes ou longitudes familiares, mais forte fica o sentimento de que algo se transforma, sem entender bem o que.O ambiente é tao diverso e são tantas as novas informações que a única maneira de nosso eu se adaptar a isso é distorcendo nossas… Leia mais »
É isso cabeça, e mais um pouco… Nem sempre existe o desejo de se adaptar. Muitas vezes, o "mágico" é a sua não adaptação, cujas expectativas iniciais são as que levam ao deslumbramento. Se você se adapta, inconscientemente você desmistifica o seu imaginário. E assim… viajar é sempre preciso!
Abração!