Relato da viagem a Phnom Penh, capital do Camboja, uma das piores vítimas da loucura dos ditadores. Mas uma cidade que surpreendeu, por outros motivos!
A ida ao Camboja foi planejada sobretudo para a visita do complexo de Angkor Wat, em Siem Reap, no interior do país, que será comentada no próximo post. Porém, conhecer sua capital fez-me rever alguns pré-conceitos que eu tinha desse país.
Foi, provavelmente, o primeiro país que eu não imaginava ser como é, dentre todos os outros que passei até então. Para quem sempre gostou de geografia econômica, o Camboja é conhecido por ser um dos países mais pobres do mundo, com renda per-capita da mesma magnitude da África subsariana, e um IDH que o coloca na 138º em um total de 189 países. Além disso, o país é um dos recordistas em percepção de corrupção no mundo, ocupando a 157º posição em uma lista de 174 países.
Eu esperava encontrar muitas situações que ilustrem essas condições, principalmente após o choque de modernidade que recebi anteriormente em Kuala Lumpur. Mas não foi exatamente o que ocorreu.
A capital possui sim, seus problemas, como qualquer cidade brasileira, mas também mostra o desenvolvimento de um bom planejamento urbanístico, preservação e cuidados que não imaginava encontrar em um país com indicadores tão ruins. Existem muitas avenidas largas, bem asfaltadas, arborizadas e com belas praças entre as pistas.
Em muitas delas, estruturas de lazer abundam para as crianças. As calçadas, embora usadas praticamente como estacionamento de carros, são bem preservadas e na região central, existem muitos restaurantes e dois razoáveis shopping centers.
A avenida cheia de bares que margeia o rio Mekong é acompanhada de um largo boulevard que é muito frequentado pela população após o final da tarde, quanto o sol dá uma trégua. Existem muitos que usam os aparelhos de ginástica para exercitar-se e grupos de aeróbica participam de aulas ao ar livre. Outros grupos jogam futebol, peteca e vôlei às margens do grande rio, que também é palco de passeios de botes para os interessados. Muitos cestos de lixos nas ruas e praças, traduzindo-se em poucos problemas de acúmulo de sujeira.
A concentração de renda aqui, porém, apesar de o índice Gini do país não ser tão absurdo, aparenta ser grande; muitos, mas muitos carros caros passeiam pela cidade, incluindo Bentleys, Porsches e Ferraris. Mercedes é quase carro popular aqui. A maioria deles estacionam próximos aos órgãos públicos, muitos deles sediados em edifícios magníficos. Considerando a informação sobre a corrupção que reina no país, precisa dizer mais alguma coisa?…
Porém acredito que o país possua uma economia informal muito grande para mostrar tal pujança em comparação o tamanho atribuído à economia. Imagine, o PIB de todo o país de 15 milhões de habitantes é 30% inferior ao PIB de Campinas, com 1 milhão de moradores! De onde vem todo esse dinheiro senão através de uma grande economia informal?
Porém, embora esse ponto seja até positivo (menos impostos para o governo e mais dinheiro para as pessoas), o que se pode dizer da informalidade nos processos governamentais, como os projetos que são patrocinados por outros países (e são muitos – construção de praças, saneamento básico, preservação de templos), principalmente Canadá, Japão e China. Será que eles recebem integralmente todos os recursos que são enviados?
Mas, mesmo não da melhor maneira, o país está reconstruindo-se. O Camboja foi palco na segunda metade dos anos 70 do século passado de um regime considerado o mais cruel do século, que matou cerca de 2 milhões de pessoas em um total de 8 milhões (25% da população) durante a sua curta, mas trágica, existência.
A história pode ser entendida melhor através da visita do antigo escritório S-21, hoje transformado no Museu do Genocídio Tuol Sleng, palco de detenções, interrogatórios, torturas e assassinatos. Apontam-se 20.000 mortes somente nesse local, uma antiga escola secundária. O Museu mantém abertas as salas dos prisioneiros, mostra instrumentos de tortura e muitas fotos, algumas das quais não tive coragem de fotografar. Algo chocante. Mantém uma sala com ossos e crânios encontrados e 14 túmulos para o funeral dos 14 corpos encontrados já em decomposição após a derrubada do regime.
O regime comunista, liderado pelo insano Pol Pot, inspirou-se posteriormente no maoísmo para construir uma sociedade basicamente agrária, e eliminou muitos que pudessem prejudicar suas estratégias, basicamente as pessoas de boa educação e formação que podiam questionar suas viabilidades, principalmente os professores. São marcas ainda difíceis de remover na memória das pessoas mais velhas do país.
A cidade de Phnom Penh não tem grandes atrações turísticas. Alguns bonitos templos, bem como o palácio real, são alguns locais que merecem ser visitados, mas para quem já passou pela Tailândia, não há muita novidade. O país também é predominantemente budista e as construções, muito semelhantes.
Eu gastei um tempo a mais na cidade pois fiz meu visto do Vietnã na embaixada daqui, e demorou 2 dias para ficar pronto. Enquanto na embaixada vietnamesa de Kuala Lumpur o visto custava US$100.00, aqui custou-me US$60.00. Ainda caro, mas 40% menos… Para entrar por terra no Vietnã, ter o visto antecipado é a única possibilidade.
Aproveitei também para assistir um filme tailandês em um cinema local, com uma dublagem de terceira categoria para o cambojano. Uma comédia meio pastelão, onde a mocinha é uma garota de programa e é objeto de paixão do rapaz bonzinho. Algumas piadas e tiradas eram possíveis de entender, mas muitas vezes o pessoal que assistia se divertia e eu não fazia ideia do que estava acontecendo. De qualquer forma, é uma boa situação para treinar nosso entendimento de percepções corporais alheias…
Próxima parada: Siem Reap e Angkor Wat.
Veja todas as fotos de Phnom Penh, capital do Camboja, no Google Photos ou então, as melhores fotos do Sudeste Asiático no álbum do Pinterest.
As postagens dos roteiros e também dessa aventura que começou na Europa, passou pela Ásia, retornando ao velho continente, estão na página da viagem de 205 dias à Ásia.
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Oi André! Tudo bem? Por seus comentários sobre o planejamento da cidade e reconstrução de Camboja, após a década de 70, não sei se compreendi bem, mas, estas melhorias, reconstrução e estes projetos, como áreas de lazer para a população, são realizados por outros países? As pessoas vivem na informalidade por não ter empresas que contratem ou por livre escolha para não dar dinheiro para o governo por conta da corrupção? O governo atual investe em educação e cultura, ou como no Brasil, prefere povos incultos para continuar no poder roubando o país? É um país democrático ou é como… Leia mais »
Hehe.. nossa Nina, não consigo responder tudo isso não… tive minhas impressões aqui mas o que sei de resto eu vejo na internet. não consigo em poucos dias me informar com riqueza de detalhes nesses pontos, até porque aqui também não tive contato mais profundo com cambojanos. Eles mal falam inglês na sua maioria, é difícil… Mas vamos tentar alguma coisa! Sim, muitos projetos, como os que eu citei no post são financiados por outros países. Aparentemente o governo não tem recursos para tal. Claro que devem ter outros interesses por aí, pois o país tem alguns recursos naturais a… Leia mais »
Oi André!Entendi que tão pouco tempo em um lugar não dá para sentir a cultura e os costumes de um povo, mas, você conseguiu responder as principais perguntas que constata que a corrupção e os malandros no poder prejudicam muito na educação e liberdade do povo em qualquer parte do mundo e com certeza o povo cansado, acaba por se alienar por não encontrar saída.Os projetos realizados por outros países deixaram alguns lugares de Camboja mais bonitos e beneficiou a população. Se o povo tivesse liberdade e fosse ouvido, com certeza, exigiria que Camboja fosse vendido para estes países…Assim como… Leia mais »
Sim Nina! Acrescento apenas que o povo pode continuar alienado não porque não encontra uma saída, mas porque prefere ficar alienado, pois é mais confortável e exige menos responsabilidades. Você já leu Aldous Huxley (O Admirável Mundo Novo)? Escrito nos anos 30, se não me engano, e muito atual!
Considere para ajudar no seu livro (depois quero saber em detalhes) o que não seria um mundo perfeito (embora pareça)…
Bjus!