Relato de viagem à Auroville e Pondcherry, ex-colônia francesa, quase no extremo sul da Índia.
Após um período de adaptação nesse singular país, mais precisamente na cidade de Mahabalipuram, saí cedo da cidade em direção à Pondcherry. Como acordei meio tarde, peguei um tuk-tuk (rickshaw) para o local do ônibus, prevendo como seria minha primeira viagem de ônibus pela Índia.
Impressionava-me algumas fotos que circulam na Internet desses veículos: caindo aos pedaços e amontoados de gente. Digamos que a viagem não foi perfeita, mas não foi tão catastrófica assim… O ônibus (60 rúpias), embora não seja do nível que vi na Turquia ou mesmo do Brasil, até que era razoável, super enfeitado e bem cuidado (embora velho). O interior era todo estofado até o teto e estava incrivelmente vazio. A estrada, considerada como uma das melhores da Índia, não prejudicou a viagem, mas mesmo assim, em função do trânsito, demoramos 1 hora e meia para percorrer 96km.
Cheguei em Pondcherry por volta das 11:00hs, e com a ajuda do GPS pude dispensar a horda de motoristas de tuk-tuks que me abordaram quando desci do ônibus. Fui diretamente para a região central procurar um local para ficar. Dispensei o primeiro hotel, uma espelunca com cheiro de mofo, mas acertei um quarto privativo no segundo (Mother´s Guest House). Deixei rapidamente o mochilão e fui procurar um local para alugar uma bike (40 rúpias) para ir à Auroville.
Havia motocicletas disponíveis, mas resolvi não arriscar. Primeiro pelo trânsito louco da Índia. Com a bike posso andar nos acostamentos por segurança. Segundo, por eu ter ouvido que as motocicletas são mal conservadas e podem pifar a qualquer momento (fotografei um gringo empurrando a sua na volta para a cidade). Terceiro, a distância era de apenas de 10km de pista plana, feita facilmente em meia hora e ajudando a manter um mínimo de tônus muscular nos membros inferiores, ao menos. Frustei-me apenas porque a buzina da minha bike não estava funcionando. Queria poder participar da sinfonia sem intervalo padrão do trânsito indiano… Enfim, ao meio-dia já estava em Auroville.
Auroville é uma cidade criada em 1968 pela visão de “The Mother” a partir de sua convivência com Sri Aurobindo Ashram, que foi um líder espiritual na Índia no começo do século XX, pregando a ioga como modo de adquirir força espiritual e energia como guias divinos para a vida.
Concebida para ser uma cidade universal, onde seus habitantes viveriam em paz e progressiva harmonia acima de qualquer nacionalidade, conta hoje com mais de 2.000 habitantes de 45 diferentes nacionalidades. Auroville foi imaginada como uma cidade de cidadãos livres da opressão da religião, das posses materiais e das convenções morais e sociais; livres, porém sem usar essa liberdade como uma escravidão do ego para seus próprios desejos e ambições.
Uma cidade onde a união seria celebrada e todos teriam descoberto sua vocação espiritual, em comunhão com o Divino. Enfim, um laboratório da evolução, segundo sua mentora. Quando recebi essas informações, pensei na hora na letra da música “Imagine” de John Lennon. Procurei algo na net e parece que há uma inspiração da canção pela cidade. Infelizmente, a net aqui na Índia é muito ruim e não tive tempo de assistir os vídeos que aparecem na procura. Vou analisar com calma mais tarde e depois modifico a postagem se necessário.
A cidade também divulga suas atividades realizadas no local, como o reflorestamento da área, uso de recursos renováveis de energia (parcial) e de seu trabalho social, como o emprego e a educação de pessoas que vivem em seus arredores. Tentei procurar algum dado do turn-over dos habitantes da cidade, mas não achei. É um dos melhores indicadores para saber se uma vida dedicada ao local pode realmente trazer grandes benefícios espirituais ou não. A teoria sempre é muito bonita, pena que existe a prática e a realidade… 🙂
Bem, cheguei no local e após um almoço acompanhado de xarope de flores para “abrir a consciência” com um grupo de brasileiros, fui reservar o dia seguinte para poder entrar no Matrimandir, coração espiritual da cidade. Infelizmente foi impossível: o próximo dia livre para tal visita estava a seis dias adiante. Como implicava um alto custo (tempo), achei que não compensava.
Bem, me contentei em observar a Matrimandir externamente, distante 1 km, obrigatoriamente percorrido a pé, do centro turístico da cidade. Ela, de fato, não pode ser acessada para quem não possui um passe especial, dado apenas para convidados e voluntários que queiram ficar um tempo por lá. Voltei e aproveitei o resto da tarde com a bike.
Conheci a Aurobeach, diretamente oposta à rodovia ECR (East Cost Road), já sabendo que não encontraria praia de areia em Pondcherry. Mas foi uma visita rápida, pois estava de tênis e com a bike, que não rodava na areia fofa de jeito nenhum. Voltei para a Guest House após devolver a bike, após o supermercado, um tempinho em uma lan-house (aqui na Índia arrumar uma hospedagem com internet está difícil) e uma janta. O dia seguinte estava previsto para conhecer Pondcherry e procurar como sairia daqui para Thanjore ou Trichy.
Pondcherry, na verdade, não tem muita coisa de especial. Foi mais um ponto de apoio para conhecer Auroville e o Matramandir. A cidade possui uma pequena área próxima da costa (cerca de 5 quarteirões para dentro da cidade por 15 quarteirões de extensão) que é a área original da cidade quando sob o domínio da França. A cidade já foi capital da Índia Francesa e pertenceu ao país europeu por 300 anos.
É justamente essa área que se encontra a melhor parte da cidade, com ruas com calçadas, menos sujeira e melhor trânsito. Nessa área também está presente o Ashram de Sri Aurobindo, onde está seu túmulo e hoje é um centro de ensinamentos de ioga como provedora de energia espiritual. Nessa área encontra-se também uma linda catedral, com o sugestivo nome de Notre Dame des Anges, com vitrais multicoloridos, também herança da colonização francesa, assim como a bonita praça Bharati.
Fora dessa pequena região, porém, a cidade mostra o lado indiano real da cidade, como vi em Chennai: ruas sujas, mal cheiro, sem calçamento (obrigando o pedestre a disputar espaço na rua com tudo o que aparece na sua frente) e trânsito mais do que caótico. Confesso que estou me concentrando para não me irritar com tanta buzina. Os indianos buzinam o tempo todo, mesmo sem motivo. Nesse ponto, a Índia é um inferno. Pensei em ter Mahabalipuram de volta…
Existem poucos templos hindus em Pondcherry e com tamanho reduzido. Aliás, me decepcionei como os indianos profanam (será que a palavra correta é essa?…) seus próprios templos. Há comércio dentro dos templos e em seu exterior, permitindo-se a construção de inúmeras barracas de ambulantes, tornando o visual feio, sujo, totalmente não convidativo de ser visitado. E na última visita que fiz ao templo de Manakulla Vinayagar roubaram meus chinelos (é necessário entrar descalço). Nem todos indianos são, digamos, espiritualizados para o bem… Voltei ao hotel descalço e comprei outro em seguida.
Após verificar os horários de possíveis trens e ônibus na rodoviária com muita dificuldade (não existe grades de horários, os destinos dos ônibus só são grafados em tamil, e é difícil encontrar uma pessoa responsável), voltei planejando passar no Jardim Botânico, para ver se encontraria algo de belo fora da área colonizada pela França. E o que deveria ser a entrada de um imponente Jardim Botânico, havia apenas portões fechados e muita sujeira em volta, cercada por ambulantes. Um cenário bem diferente daquele visto no filme “As aventuras de Pi“.
Decepcionei-me como não consegui encontrar nada de bonito mantido pelos indianos na cidade. A cultura realmente é muito diferente, os conceitos de higiene (vi vários homens urinando na rua, tirando catarro do nariz com as mãos e depois voltando às suas atividades), a manutenção mínima das construções e o conceito de limpeza – é normal encontrar mulheres varrendo folhinhas das árvores do chão (encurvadas, com vassourinhas curtas), mas o lixo real mesmo, das ruas, ninguém parece se incomodar.
O trânsito, nas ruas principais, impede o pedestre de andar normalmente, pois não existem calçadas, forçando-nos a andar pela rua. E onde existem as poucas calçadas, os indianos as ocupam para estacionar suas motos, impedindo a nossa circulação. Bom, perdi totalmente a vontade de continuar andando e voltei para o hotel bem antes do final da tarde. Acho que a minha opinião de cidade grande na Índia já está em formação. Preciso de uma cidade pequena novamente…
Seguindo a viagem, leia sobre a próxima parada: Trichy e Thanjore.
Veja todas as fotos de Pondcherry e Auroville no Google Photos ou então, as melhores fotos do sul da Índia no álbum do Pinterest.
As postagens dos roteiros e também dessa aventura que começou na Europa, passou pela Ásia, retornando ao velho continente, estão na página da viagem de 205 dias à Ásia.
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A maneira que você escreve é tão clara e compreensivel, que a gente acaba conhecendo um poucos das pessoas, dos hábitos, costumes, lugares e por fim acabo viajando junto com você, parabéns
Que bom que ainda há um mínimo de qualidade rsrs. Tenho escrito os posts tão rapidamente que fico com a impressão de que tudo poderia ser muito melhor. Bjus!
Estou adorando ler seus escritos. Uma verdadeira aula de história e Geografia… Grande Mestre!!!
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Beijos
Oi Nina! Que bom que está gostando! Estou em Madurai!
Bjus!