Capitalismo de laços: as uniões suspeitas das empresas e do Estado

Capitalismo de laços: enfim, o Brasil ficará livre dele?


Muitos investidores em ações de empresas brasileiras desconhecem o capitalismo de laços que as mantém ligadas ao Estado e como isso pode influenciar em seu valor de mercado.
Paulo Guedes e sua equipe estão iniciando um desmonte dessa grande instituição, permitindo, pela primeira vez em sua história, o início de um capitalismo liberal no país.
Será que obterão êxito?


Muitos que acompanham as medidas da equipe econômica do governo Bolsonaro continuam otimistas com o futuro do Brasil. Sua prioridade está sendo marcada por decisões técnicas e propostas alinhadas aos pensamentos liberais. O Ministro da Economia construiu uma equipe sólida, sem espaço para estrelismos, guiada pela eficiência e eficácia na gestão.

Essa solidez torna mais factível a perenidade das ideias, pois possíveis afastamentos e ausências de um ou outro membro do grupo não prejudicará a essência das reformas tão urgentes em nosso país.

Na mídia repercutem-se massivamente as prioridades da nova equipe econômica: reforma da previdência, equacionamento do déficit fiscal e o retorno ao crescimento econômico. Entre as repercussões, causou algum espanto o secretário de desestatização Salim Mattar afirmando em outubro de 2019, que a União possui participação em nada menos do que 637 empresas.

A intenção nesse texto é chamar a atenção para a necessidade de iniciar um desmonte do chamado capitalismo de laços no Brasil, ou seja, a união, muitas vezes sórdida, entre as empresas privadas e o governo, que, em geral, só traz malefícios ao país.

O capitalismo de laços no Brasil

O termo “capitalismo de laços” foi capa de um livro lançado em 2011 pelo professor do Insper Sérgio Lazzarini. Nele, o autor analisou mais de 20.000 dados estatísticos de 804 empresas durante os anos de 1996 a 2009, chegando a conclusão que, mesmo em meio a privatizações no período, a participação do Estado nessas empresas subiu de 14 para 19%. Como isso é possível?

Segundo Lazzarini, houve uma maior aglomeração entre empresários e grupos atrelados a controladores comuns. Essas conexões foram possíveis pela atuação de agentes, direta ou indiretamente, ligados ao governo, como o BNDES e fundos de pensões de empresas estatais, como a PREVI (Banco do Brasil) e PETROS (Petrobrás). Funcionando como “conectores”, esses agentes aumentaram a participação do governo na economia, permitindo um maior controle da atividade produtiva.

No mundo do investimento em renda variável, esse é um dos fatores que impedem que nós, investidores, tenhamos plena convicção em nossas compras de papéis, uma vez que muitas das decisões tomadas pela administração dessas empresas estão vinculadas a interesses que nem sempre vêm à tona para o mercado no tempo correto.

Considerando nossas limitações, republiquei em setembro/19 um artigo onde afirmo que o rebalanceamento em uma alocação de ativos em uma carteira de investimentos é mais importante do que a análise fundamentalista para gerenciamento de risco e rentabilidade a longo prazo.

Mundo pequeno e a farra do governo do PT

O autor usa o conceito de redes para determinar a concentração de proprietários nas grandes empresas brasileiras. Uma rede que possua uma aglomeração de atores que se conectam por poucos laços é denominada de mundo pequeno.

Usando essa ideia, o autor analisou essas conexões de propriedade das empresas brasileiras entre 1996 e 2009 e verificou que essa estrutura de mundo pequeno reforçou-se durante esse processo, notadamente após 2003. O índice alcançou um índice de aglomeração de 40, frente ao valor de 29 em 1996 e de 30, em 2003.

Desses dados pode-se concluir que, mesmo as privatizações realizadas no governo FHC no século passado não foram suficientes para diminuir a aglomeração de atores nas empresas nacionais, uma vez que o índice, ao invés de cair, subiu.

O próprio organograma de uma das empresas privatizadas, a VALE, mostra que a Litel e a BNDESPAR são os maiores acionistas da companhia, com quase 30% de participação. Veja quem são, por sua vez, os seus donos:

Organograma da participação das empresas controladoras da Vale: BNDESPAR, Valepar, Mitsui, Litel e fundos de pensão.
BNDESPAR, Valepar, Mitsui e Litel, além dos fundos de pensão estatais são os maiores acionistas da Vale

Recentemente, vemos como o governo pode interferir na venda de empresas já privatizadas em função de suas ações “golden-shares“, como ocorreu no caso da união Embraer e Boeing. Porém, foi com ações realizadas no governo da esquerda que esse capitalismo de laços estreitou-se ainda mais, assim como as tentativas de manutenção desse status quo.

Manutenção dos privilégios – sempre eles

Possuir tais privilégios, assim como acionistas capitalizados como o BNDES e fundos de pensões estatais encaixa-se como uma luva nas aspirações do governo. Fundos de pensões, por exemplo, possui íntimas associações com sindicatos e sendo representantes de servidores públicos, aumentam a influência do Estado dentre esses atores. Esses, em troca, possuem ingerência ampliada para enviesar políticas públicas que lhe interessem.

Embora parte dessa rede tenha sido construída por vias legais (o que não significa necessariamente presença de ética e condições para um desenvolvimento pleno do capitalismo), uma grande parcela de suas relações desviou-se para o cometimento de crimes entre burocratas estatais e empresários, como vem revelando a Laja-Jato nos últimos anos. É o conceito de crony capitalism levado às últimas consequências.

Quem não se lembra de casos marcantes, como os acordos da Telemar/Oi com o filho do ex-presidente Lula e fundos de pensão e associações já comprovadamente criminosas, protagonizadas por benefícios obtidos de amigos do governo petista, como Eike Batista e Joesley Batista e família?

Recentemente, percebemos que esses conchavos são normais em qualquer governo que priorize o Estado, e não o indivíduo, como demonstram novas denúncias de falcatruas envolvendo os governos do PSDB em São Paulo.

Patrimonialismo brasileiro: um câncer do país

O ciclo é bem conhecido. O empresário, consciente que pode receber benefícios do Estado, seja através de empréstimos do BNDES, investimento de fundos de pensões e as concessões, torna-se suscetível a entrar no arranjo do capitalismo de Estado, reforçando os laços entre todos os agentes.

Esse modo de atuação está na raiz do patrimonialismo brasileiro e possui raízes históricas, como bem lembra Bruno Garschagen na carta de Pero Vaz de Caminha ao soberano português onde ele, além de descrever o novo continente, solicitava uma boquinha para si mesmo e ao seu genro.

O autor, inclusive, conta toda a história do patrimonialismo brasileiro em seu excelente livro “Pare de acreditar no governo – porque os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado”, que ficou conhecido pelo paradoxo de Garschagen.

Esses assuntos também já foram abordados no blog anos atrás e forem republicados nesse ano, reescritos com vista às eleições de outubro, em ambos textos abaixo.

Perspectivas para os próximos anos

Joaquim Levy, ex-presidente do BNDES, já havia dado diretrizes para o banco restringir subsídios ao Tesouro Nacional a setores empresariais, quando era Ministro da Fazenda no governo petista. Ficou poucos meses no governo após uma demissão ainda obscura. Guedes afastou possibilidades de estragos no curto prazo para a continuidade das propostas liberalizantes, convidando Gustavo Montezano, mas a ameaça de interferências nas reformas permanece.

Em Guedes, sozinho, é fácil confiar, uma vez que é claro seu entendimento de que empresários precisam ser produtivos e não podem ser dependentes do BNDES e da ajuda do Estado. O duro é acreditar que ele não sofre influências para não fazer o que gostaria.

Outro fator que alimentava esse capitalismo de compadres eram as taxas de juros subsidiadas do BNDES. No governo Temer elas foram extintas com a criação da TLP, taxa marcada a mercado, o que deve diminuir essa troca de favores. Com isso, a diminuição dos empréstimos do banco estatal aos empresários diminuirá sua influência como provedor de dificuldades e salvações.

O banco, além de continuar seu programa de venda de suas participações iniciada recentemente e que será potencializada em janeiro de 2020, já pagou ao Tesouro Nacional mais de R$ 70 bilhões nesse ano até setembro (2019), dívida que foi criada pelo dinheiro injetado no banco nos governos do PT com o objetivo de aumentar os empréstimos – inclusive a fundo perdido para Cuba e Venezuela.

Com a necessidade de buscar financiamentos privados, os empresários tendem a ser mais eficientes e competir melhor no mercado, oferecendo produtos de qualidade e preços adequados.

O essencial: a saída do Estado na economia via privatizações

O modelo de privatizações está ocorrendo, retirando do palco atores como o próprio BNDES e fundos de pensão estatais. Embora que, em 2019, foram efetivadas vendas de empresas que já estavam no cronograma do governo anterior, para 2020 parece que o volume irá aumentar.

Uma pulverização de ações de empresas para a população seria o modelo ideal, e muito suficiente para evitar medidas que promovessem o interesse de determinados grupos majoritários e ligados ao Estado, ao mesmo tempo com benefícios para os reais donos das estatais, uma vez que recebem investimentos via impostos – o povo.

Há algum tempo escrevi sobre esse modelo em uma suposta privatização da Petrobrás. Veja em “A Petrobrás e um modelo justo de privatização com inclusão social“.

Por fim, a redução do Estado e suas agências de regulação promoveria diminuição de fontes de auxílio aos empresários que preferem o lobby à competição do mercado. É uma porta que se abre para que possamos, afinal, ver o nascimento e o crescimento de um capitalismo genuíno, nunca implantado no Brasil.

As intenções do novo governo, ao menos entre os membros da equipe econômica, parecem boas. Mas será que eles possuirão a força e maturidade para que mais mudanças sejam aprovadas pelo próprio presidente e pelo Congresso Nacional, renovado nas últimas eleições?

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