A história da independência financeira


Será que a história da independência financeira é mesmo algo muito recente, como costumamos a ouvir?
Ou será que o desejo da liberdade já está presente há tempos?


Há algumas semanas, li um artigo muito interessante no blog Get Rich Slowly sobre como a humanidade pensava a independência financeira em épocas mais distantes. Estamos acostumados a aceitar que esse movimento é algo muito recente, mas ele já foi pensado desde o século XVIII.

É verdade, porém, que não havia o movimento em massa que vemos atualmente, principalmente nos Estados Unidos. Mas é curioso como a ideia sempre esteve presente na humanidade, mesmo com as dificuldades presentes no trabalho de cada indivíduo, carente da tecnologia que nos serve nos dias atuais.

A história da independência financeira e aposentadoria antecipada

O artigo do blog, de J. D. Roth, inicia dizendo que a narrativa padrão para o início do movimento FIRE (independência financeira e aposentadoria antecipada) ocorre mais ou menos na sequência:

Pessoalmente, acredito que o terceiro item foi um tanto injusto com diversas outras fontes existentes no mercado norte-americano e no resto do mundo. Atualmente, existem centenas de blogs que advogam a ideia da independência financeira e, atualmente, muitas instituições financeiras estão pegando carona no movimento para prospectar novos clientes para suas plataformas de investimentos.

Roth, no entanto, comenta no texto que um de seus hobbies é a leitura de clássicos antigos, e ele tem investigado muitos pensamentos sobre o assunto há muitos e muitos anos atrás, embora sua pesquisa ainda não esteja completa. Atualizarei o post se ele descobrir mais coisas. Mas, afinal, quem “inventou” a independência financeira?

Breve história da independência financeira

A referência mais antiga que ele encontrou foi da fábula de Esopo entre a formiga e da cigarra (ou gafanhoto, dependendo da tradução). Aqui no blog, eu usei a história para fazer um dos primeiros textos do blog, quando comecei a falar de política. Ela data de 560 a.C. Um exemplo que resume o mote da obra:

As formigas passavam um belo dia de inverno secando os grãos colhidos no verão. Um gafanhoto, morrendo de fome, passou e implorou fervorosamente por um pouco de comida. As formigas perguntaram a ele: “Por que você não guardou comida durante o verão?” Ele respondeu: “Eu não tive tempo suficiente. Passei os dias cantando.” Elas então disseram com escárnio: “Se você foi tolo o suficiente para cantar durante todo o verão, você deve dançar sem jantar para a cama no inverno.”

A moral da fábula é clara: guarde o suficiente no presente para possibilitar enfrentar o futuro em melhor condição. Embora ela não fale explicitamente sobre FIRE ou aposentadoria antecipada, ela contém a semente da ideia da independência financeira, não?

Vamos agora ao século XVIII. O pulo histórico é enorme: veremos se ele descobrirá mais fontes dentro desse intervalo de tempo. Mas, em “The Way to Wealth“, de Benjamin Franklin, já temos algo muito mais específico dentro do tema de independência financeira. Escreveu Franklin em 1758: “Se você deseja ser rico, pense em economizar, além de obtê-lo.”

Ele ainda pontuou que muitas pessoas com riqueza são levadas à pobreza e forçadas a pedir dinheiro emprestado a pessoas que desprezaram, possivelmente pelas suas experiências pessoais.

Quase um século depois, em 1854, um clássico da literatura do minimalismo foi lançado: “Walden“, de Henry David Thoreau. Ele foi um um dos pioneiros que questionou a vida consumista dos homens, e como a rotina e a ambição poderia levá-los a um silencioso desespero. Além disso, escreveu:

O custo de uma coisa é o valor do que chamarei de vida, que deve ser trocado por ela, imediatamente ou a longo prazo.

Se você leu Your Money or Your Life, ou lembra do segundo passo para conquistar a independência financeira, lembrou de imediato do conceito de energia vital, não?

Em 1864 – durante a guerra civil americana – Edmund Morris publicou Ten Acres Enough, onde documentou a mudança de sua família da cidade para o campo para cultivar alimentos em dez acres de terra. Morris tinha por objetivo que sua família fosse autossuficiente, para obter o que chamaríamos de independência financeira.

A abordagem de Morris era típica da época. Ele escreveu:

Nenhum homem prudente, aceitando tal verdade e garantindo sua integridade, investiria em um fundo de ações. Nosso país está cheio de naufrágios pecuniários de causas como esta …

Como muitos de seus contemporâneos, Morris achava que as ações eram um mau investimento, defendendo o investimento em imóveis. Observe o uso da palavra “pecuniário” ao invés de “financeiro”. Roth comentará essa diferença adiante.

A origem do termo “independência financeira”

Um dos melhores livros que Roth leu foi Money and How to Make It, de H. L. Reade, publicado em 1872. Ele aborda tópicos diversos de como ganhar dinheiro, incluindo com animais, queijos e o papel da mulher. Mas seu papel mais importante é cunhar pela primeira vez o termo “independência financeira”. Ou melhor, independência pecuniária, segundo o jargão mais usado na época. Na introdução o autor diz:

Nós nos unimos propositalmente com uma conversa prática, simples e graduada, o suficiente para livrar essa obra de qualquer tendência dos livros de texto, e acreditando, como sinceramente acreditamos, que nenhum homem ou mulher pode lê-lo sem receber um valor muito maior do que seu custo, nós o recomendamos à consideração serena de cada pessoa que, como o escritor, começando relativamente pobre, está ansioso para alcançar o que todos os homens deveriam desejar e trabalhar para a independência pecuníaria .

Mas porque Reade usa a expressão “independência pecuniária”? Isso ocorre porque o termo “financeiro” ainda não era de uso comum em 1872. A palavra existia há algumas centenas de anos, mas foi apenas no final dos anos 1700 que “financeiro” começou a assumir a definição atual: “Relativo a dinheiro”. Antes disso, as pessoas usavam a palavra “pecuniário”.

Somente no final do século XIX que a locução “financeira” suplantou “pecuniária”. Assim, em 1872, Reade não escreveu sobre “independência financeira” porque “independência pecuniária” era o termo mais comum!

Outro livro importante que integra a história da independência financeira foi publicado mais ou menos nessa mesma época. Em 1875, o autor escocês e reformador social Samuel Smiles publicou Thrift, o início de uma trilogia de livros de desenvolvimento pessoal (posteriormente, publicou Self-Help em 1859 e Character em 1871.)

No prefácio de Thrift , Smiles escreve:

Todo homem é obrigado a fazer o que puder para elevar seu estado social e assegurar sua independência. Para este propósito, ele deve poupar seus meios para ser independente em sua condição. A indústria permite que os homens ganhem a vida; deve também capacitá-los a aprender a viver. A independência só pode ser estabelecida pelo exercício de premeditação, prudência, frugalidade e abnegação. Para ser tão pródigo quanto generoso, os homens devem negar a si mesmos. A essência da generosidade é o auto sacrifício.

Smiles não cita em seu livro o termo definitivo “independência financeira”, e Roth diz que, dentro de sua biblioteca particular, a primeira referência à expressão definitiva ocorre em um livro chamado “Financial Independence at Fifty“, de Victor de Villiers, publicado em 1919.

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A obra é uma coleção de artigos publicados originalmente em “The Magazine of Wall Street”, no ano de 1919. Embora o livro em si não se concentre na independência financeira, o autor incluiu esta definição no início:

O que é independência financeira? Liberdade de depender de outras pessoas para orientação, governo ou apoio financeiro. O espírito de autossuficiência ou liberdade de subordinação a outros.

O título do livro, no entanto, é muito sugestivo, e o autor acrescentou na obra um gráfico que mostra “as seis idades do investimento”, que é muito semelhante à lista de Roth dos seis estágios da independência financeira, publicada em seu blog.

Independência financeira ao longo dos anos

No decorrer do século XX, a história da independência financeira adquiriu contornos mais sólidos, tornando o conceito mais complexo e robusto. Em 1926, George Clason reuniu uma série de panfletos publicados por bancos e seguradoras e criou o popular “O homem mais rico da Babilônia“, um dos primeiros livros a estabelecer um sistema para ajudar as pessoas, com atitudes práticas, a se tornarem independente financeiramente.

Um dos manuais financeiros mais vendido de todos os tempos, sugeria sete mandamentos para construir riqueza:

  1. economizar 10% de tudo que ganhar;
  2. controlar os gastos, evitando a inflação do estilo de vida e controlando seus desejos;
  3. investir bem e multiplicar seu dinheiro;
  4. gerencie bem os riscos em seu patrimônio, evitando formas milagrosas de enriquecimento;
  5. tenha sua própria casa;
  6. faça um plano de aposentadoria, garantindo uma renda futura;
  7. eduque-se sempre para ampliar a sabedoria financeira.

A popularidade do clássico obscureceu muitos outros livros publicados durante o século XX que ofereciam excelentes conselhos financeiros e defendiam os princípios da independência financeira. Em 1936, por exemplo, como parte de uma série de livros chamada “The Franklin System”, Lansing Smith escreveu “Gaining Financial Security“.  Roth considera este livro como melhor do que 90% dos livros financeiros atuais, e é o primeiro livro a promover a independência financeira como um conceito sistemático

Se você deseja independência financeira, deve compreender seu grande e duradouro valor como uma conquista desejável. Você deve manter-se eternamente na tarefa de torná-lo realidade. Finalmente, você não deve permitir que nada abale ou enfraqueça sua determinação em atingir seu objetivo.

Há um fator que você deve compreender bem desde o início: o valor da renda anual de uma pessoa tem muito menos a ver com a independência financeira final do que a maioria das pessoas pensa. Provavelmente existem milhares de pessoas com renda muitas vezes maior que a sua que, no entanto, estão profundamente endividadas e totalmente incapazes de cumprir suas obrigações. Por outro lado, muitos milhares têm muito menos renda do que você e, no entanto, estão conseguindo alcançar a segurança financeira ou agora a estão mantendo e, de fato, aumentando.

Livros semelhantes se seguiram. Em 1946, na esteira da segunda guerra mundial, John Durand contribuiu para a história da independência financeira publicando “How to Build Financial Independence for a New Age“. Durante a década seguinte, vários livros apareceram com o termo “independência financeira” em seu título, embora a maioria eram manuais para investir no mercado de ações.)

Surgiram muitos outros livros sobre o assunto nos anos 1960 e 1970, muitos dos quais promoviam uma filosofia mais próxima aos padrões atuais. Em 1988, Paul Terhorst publicou o que Roth considera o primeiro livro moderno da FIRE: “Cashing in on the American Dream: How to Retire at 35“.

Terhorst tinha 33 anos quando publicou sua obra e era sócio de uma grande empresa de contabilidade. Ele começou a se perguntar se realmente queria fazer parte da corrida dos ratos. Será que já não tinha dinheiro suficiente? Ele levou dois anos brincando com números, mas finalmente percebeu que poderia parar de trabalhar se quisesse. Aos 35 anos, ele se aposentou. E está aposentado desde então.

Aposentadoria antecipada

Falamos até agora apenas a história da independência financeira. E onde entra o conceito de aposentadoria precoce? O movimento moderno FIRE combina essas duas noções sob um conceito global. Por que os livros mais antigos não faziam isso?

A resposta para isso é complicada porque a história da aposentadoria é complicada.

A aposentadoria como a conhecemos existe apenas há cerca de 150 anos, e esteve em constante mudança durante a maior parte desse tempo. Entre o século XIX e XX, a aposentadoria não era considerada desejável. Era chamada de “aposentadoria compulsória”, não desejada e vista como um grande problema social, da mesma forma que a imigração ou os direitos sobre armas são hoje.

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Muitas pessoas se opunham à aposentadoria, até que a Lei de Segurança Social de 1935 mudou certas atitudes nos Estados Unidos. Foi apenas na década de 1950 que a visão moderna da aposentadoria como um período de descanso após uma vida inteira de trabalho começou a se cristalizar.

Só então a noção de “aposentadoria antecipada” começou a fazer mais sentido, como uma oportunidade de buscar outro trabalho remunerado, possibilitar períodos “sabáticos” etc. e estar presente nos livros mais atuais.

Pensamentos finais

Roth conclui o texto questionando se, a independência financeira não é um conceito novo, por que ainda não está alastrada entre a população (isso nos EUA, imaginem no Brasil…)? Se as pessoas pregam o poder da liberdade financeira desde 1872 (ou antes), por que mais pessoas não buscam o mesmo? Há uma série de razões.

Samuel Smiles – e as pessoas que seguem suas idéias vitorianas – argumentariam que o motivo pelo qual a independência financeira e aposentadoria antecipada não se tornaram populares ocorre porque as pessoas são fracas. Smiles acreditava que os pobres eram pobres porque faziam escolhas erradas. Roth acredita que as escolhas erradas podem ser uma barreira para a riqueza, mas para as classes média e alta e não a classe baixa, e prega que a pobreza geralmente é resultado de problemas sistêmicos:

Deixe-me ser claro, porém, que independentemente da origem da pobreza, acredito fortemente que cabe ao indivíduo elevar sua posição financeira. Não importa os motivos pelos quais você é pobre. Se você deseja escapar da pobreza, cabe a você fazer as escolhas necessárias para fazê-lo. Então, depois de se libertar, você pode voltar sua atenção para questões sistêmicas, para ajudar outras pessoas a se levantarem também.

Quando Money and How to Make It foi publicado em 1872, seu alcance era limitado. Em primeiro lugar, era caro. O livro custava US$ 20, equivalente a US$ 400 atuais. E, se você pudesse comprá-lo, o que aconteceria? Com quem você poderia compartilhar as informações? Se você emprestou o livro para sua irmã ou vizinho, talvez tenha algumas pessoas com quem conversar sobre essas ideias, mas provavelmente, você estaria sozinho.

Hoje, por outro lado, esse conhecimento é onipresente. Se você quer conquistar a independência financeira e aposentadoria antecipada, há muito material disponível para você, seja em seu círculo de amizades, em grupos do Facebook, subreddits, blogs, podcasts, canais do YouTube etc. A tecnologia facilita o contato com outras pessoas interessadas no assunto.

Mas, segundo Roth, a verdadeira razão pela qual as ideias da FIRE não se tornaram popular em tempos passados é que as pessoas não acreditavam que ela pudesse funcionar ou poderiam ser aplicadas à sua própria realidade. Sem acreditar nisso, elas não queriam arriscar trocar seu conforto de curto prazo por títulos de longo prazo.

Os humanos não estão programados para pensar a longo prazo. É difícil planejarmos cinco, dez ou vinte anos no futuro. Isso era verdade há 150 anos. Mas, guardadas devidas proporções, ainda é verdade hoje. Por isso que o apelo do movimento FIRE ainda é limitado. A maioria das pessoas não está disposta a fazer as escolhas e mudanças necessárias para se aposentar mais cedo. Preferem o caminho padrão, trabalhando até os 65, 70 anos e confiar na aposentadoria do governo.

Roth suspeita que daqui a 150 anos algum garoto vasculhará um arquivo digital e descobrirá dezenas de blogs FIRE de nossa época, e ficará maravilhado como as ideias que ele pensava serem originais para ele e seus colegas em 2170 realmente foram ao redor por décadas. E então, preparará um holograma para o HoloTube e compartilhará o que aprendeu sobre a história da independência financeira e da aposentadoria precoce nos anos 2000!

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Bilionário do Zero
3 anos atrás

Olá VL, interessante saber da nossa história, eu acho que sempre existiu e sempre vai existir as pessoas que buscam a independência financeira, podendo ter outro nome como “pecuniária”.

Me lembrei que um dos primeiros livros que li sobre o tema foi “O homem mais rico da Babilônia”, não sei se o autor teve como base algum fato histórico real da Babilônia, mas trazia bons ensinamentos, que provavelmente são tão antigos quanto a antiga Babilônia.

Abraços

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