A visão de curto e longo prazo: você compraria essa caixa preta? Por quanto?


Que tal avaliar como está sua percepção do curto e longo prazo?

Pense qual seria o preço justo de uma caixa preta que lhe fornecesse por ano, indefinidamente, US$ 1
, e avalie de qual visão você mais se aproxima


Imaginem vocês, leitores, que um novo produto é lançado no mercado. Trata-se de uma pequena caixa preta que, anualmente, imprime uma nota de dólar novinha em folha por ano. Considerem que a nota é perfeitamente legal e pode ser usada da forma que desejarem. Em outras palavras, a caixinha preta fornece para vocês, eternamente, um fluxo anual de um dólar.

Uma pergunta óbvia seria: quanto deveria ser o valor dessa caixa preta? Ou melhor: se ela fosse única, qual o lance que vocês dariam para comprá-la em um leilão? Parece uma resposta simples, mas suponho que o desvio padrão das respostas, em uma eventual enquete, seria bem alto.

Visão de curto e longo prazo: a caixa preta de 1 dólar

Esse exercício compõe um dos 57 capítulos do livro “Preço”, de William Poundstone, cujo conteúdo versa sobre as diversas facetas da psicologia envolvida na análise de preços dos bens que desejamos comprar. O livro cita e acompanha muitos trabalhos dos psicólogos Daniel Kahneman, prêmio Nobel de economia e seu colega Amos Tversky, conhecidos pelo best-seller “Rápido e Devagar”, já citado nesse blog no artigo “Investindo com segurança: os riscos que você pode (e deve) evitar“.

Ambos os livros nos auxiliam no desenvolvimento da perspectiva de valor dos bens, da visão de curto e longo prazo, bem como as influências que recebemos antes da tomada de decisão, independentemente da área em que atuamos. Gostei muito de seu conteúdo e recomendo para quem deseja mergulhar na psicologia utilizada atualmente para a formação de preços e realização de negócios, um conhecimento útil a investidores e a aspirantes da independência financeira.

Vamos voltar então ao nosso problema: quanto você pagaria pela caixa preta?

A visão de longo prazo não é óbvia aos que pensam no curto prazo

Eu não duvido que muitas pessoas não pagariam um tostão pela caixa. A visão daqueles que pensam somente no curto prazo foca-se somente na pequena recompensa anual (US$ 1) em detrimento ao fluxo anual futuro perpétuo, que poderia beneficiá-lo até o fim de sua vida, bem como legá-lo aos seus herdeiros. Esse ponto de vista é comum aos perdulários, escravos de seus desejos, que procuram a satisfação no consumo imediato desse dólar. Veja o texto “Quando a vergonha ofusca o prazer e lesa sua independência financeira” para entender alguns pontos de vista particulares sobre o assunto.

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Outro pensamento óbvio é interessar-se pela caixa atribuindo um valor mínimo a ela de, digamos, ao menos US$ 1. O entendimento aqui é que muitas pessoas, em suas avaliações de curto e longo prazo, concluiriam que, uma vez que ela lhe retornasse esse dólar em um ano, no restante dos anos você teria um lucro. Um caso magnífico de payback de 365 dias! Embora seja uma evolução em relação àqueles que nem se interessariam pela caixa, não é um pensamento razoável, visto que em praticamente nenhum investimento, recuperamos 100% do valor investido nesse período.

Já uma pessoa com uma visão predominante de longo prazo poderia considerar sua expectativa de vida como uma variável determinante. Apesar de a caixa continuar existindo após sua morte distribuindo o dólar anual a seus herdeiros, você pode definir seu valor em função de sua utilidade própria. Ou seja, caso você considere que tenha mais 20 anos de vida, não teria sentido algum pagar mais do que US$ 19 dólares na caixa.

Uma pessoa com visão de longo prazo e um conhecimento maior sobre finanças, entretanto, levaria essas variáveis anteriores em consideração, mas também calcularia o custo de oportunidade desse investimento, ou seja, avaliaria outras opções para investir seu US$ 1. Com certeza, ela encontraria investimentos melhores de US$ 19 que retornariam mais do que US$ 20 dólares em 20 anos.

Possivelmente, a diferença do pensamento entre as visões de curto e longo prazo é o valor de retorno anual muito baixo. Talvez, se alterássemos a capacidade de impressão anual da caixa para US$ 1000, teríamos muito mais pessoas interessadas em sua compra, pagando provavelmente valores relativos bem maiores. Nas considerações finais desse texto finalizo o comentário sobre esse ponto.

Uma estimativa justa do preço da caixa avaliando o curto e longo prazo

Algo, de qualquer forma, é certo: uma pessoa com uma visão de futuro pagará mais pela caixa, diferentemente de alguém focado apenas no presente. O que não é óbvio, até agora, é o quanto vale esse objeto.

O livro de Poundstone lembra que Benjamin Graham, a autoridade que trouxe as bases do investimento de valor em ações de empresas ao investidor comum e um dos mentores do megainvestidor Warren Buffet, tinha uma resposta simples para essa dúvida, a partir de um valor baseado na análise que ele fez para o preço justo das ações de empresas: US$ 8,5.

No livro “O Investidor Inteligente”, Graham sugere uma equação para a avaliação de companhias em crescimento (pág.330):

Valor = lucros (normais) atuais X (8,5 acrescido de duas vezes a taxa de crescimento anual esperada).

Nessa fórmula, Graham assumiu, já com alguma margem de segurança, que uma companhia sem crescimento deve entregar ao menos US$ 1 de lucro anual por ação para um preço unitário de US$ 8,5. Em outras palavras, o famoso indicador de análise fundamentalista P/L deve ser 8,5, o que corresponde a um retorno anual de 11,76% ao ano.

Antes que tenhamos a tentação de comparar esse P/L com os P/Ls atuais do mercado americano (acima de 20) e brasileiro (rondando os 12), repare que o indicador de 8,5 definido por Graham deve ser acrescido de duas vezes a taxa de crescimento esperada, que é, de fato, a grande incógnita para usar esse múltiplo na análise fundamentalista. Assim, uma vez que os P/Ls na prática embutem essa expectativa, não tem sentido comparar tais relações friamente.

A visão de curto e longo prazo: você compraria essa caixa preta? Por quanto? 1

Como um aparte ao texto, não recomendo o simples uso do P/L para avaliações de ações. Existem muitas variáveis para estimar seu preço justo, e esse indicador é apenas uma delas. Quando as perspectivas no crescimento do lucro das empresas são maiores, o índice P/L deve ser mais elevado, e quando esperamos alguma crise no horizonte, ele cai. Expectativas da massa, entretanto, nem sempre são pontuadas com razão, e sim na emoção dos agentes de mercado, que não avaliam corretamente o valor real de um ativo.

O único motivo de citar o P/L nesse texto é referenciar a fórmula que Graham usou para estimar o preço justo das ações de empresas sem crescimento definido para termos um ponto de partida para a definição do valor da caixa preta, uma vez que seu fluxo não terá crescimento: será sempre de US$ 1 para sempre.

Deve-se ainda lembrar que Graham revisou pela última vez seu livro na década de 70, uma época onde a inflação e as taxas de juros dos Estados Unidos eram elevadas. Possivelmente hoje, ele aumentaria esse valor, uma vez que temos pouquíssimas opções seguras para receber rendimentos superiores a 6% ao ano, seja aqui e muito menos no nosso vizinho norte-americano.

De qualquer forma, é um modo de se pensar racionalmente, seja a curto e longo prazo, sobre o valor dessa caixinha preta, não?

Considerações finais – qual o seu lance?

No início do texto consideramos as diferentes visões de curto e longo prazo na avaliação da compra da caixa. Pessoas mais perdulárias, dificilmente pagarão algo pelo bem, enquanto os investidores de valor não pensariam duas vezes em adquiri-lo, mas a um preço justo.

O fato da caixa produzir anualmente US$ 1 ou US$ 1000 não deveria ser o fiel da balança, pois o que recebemos é proporcional ao nosso investimento. Pessoas com o pensamento de curto prazo não avaliam muito bem valores relativos e focam demais em números absolutos. O que devemos “comprar” é, na verdade, a ideia do fluxo recorrente, e não o valor em si. Esse é um pensamento muito presente no método de investimento em valor, o Value Investing.

Um dos conceitos mais pesquisados pelo Nobel Daniel Kahneman, é a ideia de ancoragem. Quando dissemos que a caixa produz “apenas” US$ 1 anual, esse valor “ancorado” permeia inicialmente e é posteriormente rejeitado pelos pensamentos da maioria.

Faça um paralelo: quantas vezes você já ouviu um amigo ou parente comentar que não está investindo seus reais pois “eles não rendem quase nada”: é a clara visão limitada de curto prazo. Os ganhos que essas pessoas imaginam receber não se afastam muito do valor da “ancoragem”. No mundo real, ignoram o que a maravilha dos juros e dividendos compostos podem fazer em uma carteira de investimentos.

O problema da caixa preta, enfim, avalia de certa forma o nosso perfil no mundo dos investimentos, cuja característica pode dividir inicialmente pessoas que não comprariam (visão de curto prazo, desconhecimento do poder dos juros compostos e sempre distantes da independência financeira) daqueles que comprariam a caixa, com uma visão mais de longo prazo.

Adicionalmente, encoraja a esses pensarem sobre qual seria o preço justo de sua aquisição, baseando-se não só em um número mágico, mesmo que citado por um dos papas da análise de valor, mas a investigá-lo perante as condições macroeconômicas que vivemos.

E vocês, leitores? Com base no que foi comentado acima, qual o valor que vocês pagariam por essa caixa preta? Se desejar, compartilhe nos comentários para iniciarmos um bate-papo!

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Danilo
Danilo
3 anos atrás

Excelente post André.
Ótimo pra refletir.
Obrigado.
Forte abraço!

O Engenheiro Investidor
3 anos atrás

Todo dia eu tenho uma batalha diaria para entender se vale a pena curtir logo no curto prazo. Complicado, pra quem pouco tem.

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